A história de Trevor Noah podia dar um drama, mas ele resolveu torná-la uma comédia. Filho de Patricia, uma mulher negra sul-africana, e de Robert Noah, um suíço com ascendência alemã, cresceu numa sociedade dividida pelo apartheid onde não podia passear sequer de mãos dadas com os pais pelas ruas do Soweto, onde passou a infância.

Da sua adolescência não se sabe muito. Apenas que aos 18 anos tornou-se o protagonista da telenovela sul-africana Isidingo e a partir daí atingiu o patamar de estrela nacional. Não só como actor mas também como radialista, ao assumir em nome próprio o programa Noah's Ark na rádio YFM, líder entre os jovens. Da rádio saltou para a televisão, onde apresentou um pouco de tudo, desde programas de desporto até concursos de talentos. Pelo meio liderou a 3.ª edição dos Prémios de Televisão e Cinema da África do Sul (em 2009) e no ano seguinte os South Africa Music Awards. Mais ou menos nessa altura, tornou-se a imagem da Cell C, uma das maiores empresas de redes móveis do país. E aí, se ainda havia alguém que não o conhecesse, passou a conhecer. Assumiu então a sua vertente de comediante stand up e percorreu o país de lés-a-lés, com os seus espectáculos que misturavam um pouco de racismo, uma pitada de política e uma mão cheia de humor.

No estrangeiro, o seu talento também não passou desapercebido. Em 2012, depois de uma passagem de sucesso pelo conceituado Festival Fringe, em Edimburgo, tornou-se o primeiro sul-africano a aparecer no The Tonigh Show. No ano seguinte estreou-se no Late Show with David Letterman e, finalmente, em 2014, chegou ao The Daily Show. Entretanto percorreu o mundo com os seus espectáculos de stand up. Estava, aliás, no Dubai a apresentar o seu Lost in Translation quando soube que era seu o lugar deixado vago por Jon Stewart.

Apesar de o jornal The Atlantic já ter vaticinado que ele tornará o formato “mais jovem, mais negro e mais global”, a verdade é que a escolha não era óbvia. Para o lugar de Stewart, que anunciou, em Fevereiro, que ia deixar o programa (estava há 16 anos no ar), havia uma lista de candidatos que incluíam nomes como Louis CK, Amy Schumer ou Amy Poehler. No entanto, o mítico apresentador, que irá continuar na produção do programa, não podia estar mais satisfeito. Numa troca de galhardetes disse que estava “contente pelo programa e por Trevor. Ele é um cómico e um talento com quem gostamos de trabalhar”. Já Trevor anunciou que “ninguém pode substituir o Jon Stewart. Mas em conjunto com a equipa do The Daily Show continuaremos a fazer o melhor programa de notícias”, escreveu no Twitter. Também a presidente da Comedy Central, Michel Ganelles, realçou que o objectivo não era encontrar um novo Jon Stewart, mas sim “alguém diferente e excitante”. E acrescentou que “Trevor traz um olhar único sobre o mundo e uma compreensão aprofundada sobre a natureza humana, o que torna a sua comédia tão perspicaz”.

Resultado: em pouco tempo Trevor passou de desconhecido nos EUA para se vir a tornar numa das vozes mais poderosas do país. Ainda para mais numa altura em que a América se prepara para eleições presidenciais (que terão lugar em Novembro 2016) e que historicamente os candidatos são convidados para o programa. Quer Joe Biden quer Obama marcaram presença no The Daily Show. Já o facto de ser sul-africano não parece ser um problema, uma vez que os talk shows americanos têm vindo a ser ocupados por 'outsiders', referimo-nos aos britânicos John Oliver no Last Week Tonight, na HBO, e James Corden no The Kate Late Show, na CBS.

patricia.cintra@sol.pt