Silêncio, que se ouve o filme

O que há melhor do que um festival? Dois festivais, em especial quando um é dedicado à música, outro ao cinema e a ponte entre ambos se constrói. Os Dias da Música em Belém e o IndieLisboa partilham a data de início, quinta-feira, com um concerto pré-inaugural e a projecção de um filme.

É no Cinema São Jorge que a festa em modo duplo se inicia. Primeiro com um concerto do quarteto de cordas português Alis Ubbo Ensemble, o qual irá revisitar algumas das melodias mais conhecidas do cinema, e depois com o filme Volta ao Mundo em 50 Concertos. Realizado por Heddy Honigmann, documenta a digressão por todos os continentes da RCO (Royal Concertgebouw Orchestra), orquestra holandesa que em 2013 comemorava 125 anos. Um filme que faz a ligação perfeita entre os dois festivais.

“Não faria sentido não haver encontro” entre os dois festivais, afirmou o director artístico de Os Dias da Música, Miguel Leal Coelho, aquando da conferência de imprensa de Os Dias da Música. Um encontro que, deixou entrever, poderá continuar em futuras edições. Ao SOL, Nuno Sena, programador do Indie a par de Miguel Valverde, explica que da “coincidência” de os festivais partilharem as mesmas datas pensou-se que faria sentido criar uma sinergia. “Os dois eventos observavam-se à distância. Este ano soubemos que iam apostar na música no cinema e o entendimento foi possível”. A partir daí, desse “encontro de vontades surgiu de forma natural a ideia de levar um evento do IndieLisboa para o Centro Cultural de Belém e vice-versa”.

Sena refere-se ao IndieJúnior, secção do festival dedicada aos mais novos e que vai decorrer na antiga Livraria Bertrand, transformada agora em sala de cinema do CCB. Baptizada de Aurélio Paz dos Reis, em homenagem ao português pioneiro das imagens em movimento, a sala tem capacidade para 140 espectadores. Mas o IndieJúnior mantém-se, como o resto da programação do IndieLisboa, na Culturgest, no São Jorge e, este ano, é alargada ao Cinema Ideal.

Portugueses em destaque

Sinal da importância dada ao cinema nacional, o IndieLisboa abre pela segunda vez (em 12 edições) com uma produção portuguesa. Capitão Falcão, de João Leitão, com Gonçalo Waddington no papel do super-herói do salazarismo (esta quinta, antes do concerto pré-inaugural) é o escolhido. Mas há mais 34 filmes. Em competição há quatro longas-metragens e 16 curtas. “Embora atravessando um período de vacas magras, a selecção escolheu poucos filmes, mas muito bem”, comenta Nuno Sena.

Fora da competição há dois documentários de João Botelho (o mais significativo é A Arte da Luz tem 20.000 Anos, sobre as gravuras de Foz Côa), ou uma nova versão de Rabo de Peixe, documentário de Joaquim Pinto e Nuno Leonel. E há Aqui, em Lisboa, ideia que brotou no festejo da décima edição do festival. Produção própria, conta quatro histórias pelo olhar de outros tantos realizadores: a chilena Dominga Sotomayor, a francesa Marie Losier – vencedoras da competição internacional do Indie -, o canadiano Denis Côté e o português Gabriel Abrantes, numa mistura de géneros e registos. “Obviamente o filme não está em competição e é-nos muito caro. Aqui, em Lisboa é de muito baixo orçamento e espelha a capacidade portuguesa de aliciar talentos internacionais. Há aqui uma conjugação de talentos nacionais e estrangeiros, com um jogo de cumplicidades que envolveu por exemplo os realizadores João Canijo e o João Pedro Rodrigues, que são aqui actores. O resultado é particularmente feliz”.

O IndieLisboa, que se prolonga até 3 de Maio, sofreu um “refreshment”: três secções transitam para uma só, Silvestre, “mais aberta, e que mistura gerações, formatos e géneros” e Boca do Inferno, filmes de culto para ver à meia-noite. Uma nova arrumação para ajudar o espectador a orientar-se “no grande magma que é o IndieLisboa”.

Música, realizador

Mas se o festival de cinema tem uma oferta de 208 sessões, que dizer dos 80 concertos de Os Dias da Música em Belém concentrados em apenas três dias? Com o mote 'Luzes, câmara… música!', esta produção do CCB presta homenagem ao cinema através de uma programação que “no fundo conta a história da música e a história do cinema”, comenta Miguel Leal Coelho.

“Quando ouvimos A Cavalgada das Valquírias quase dá vontade de lançar uma bomba de napalm, Deus nos livre”, exemplifica André Cunha Leal, ao associar a obra de Wagner ao filme de Coppola Apocalypse Now. Essa (re)descoberta é proposta ao público, em variados géneros musicais. Os concertos de abertura e de encerramento – que têm transmissão em directo na RTP2 – não conseguem exemplificar a diversidade de géneros. O inaugural, a cargo da Orquestra Sinfónica Metropolitana, tem no programa Strauss e Rachmaninov, ao passo que o concerto de despedida conta com um compositor contemporâneo, John Williams, e os seus temas para a Guerra das Estrelas, Indiana Jones ou Harry Potter.

Há muito Mozart ou Bach, certo, mas também a natural presença de compositores que escreveram para filmes. Fora da clássica, há jazz, música portuguesa, norte-americana e francesa. Há espaço para criações novas, como o encontro do fadista Ricardo Ribeiro e o pianista João Paulo Esteves da Silva. E para quem não dispense ver um filme, dado o tema, que tal divertir-se com O Navegante de Buster Keaton enquanto o mesmo pianista e o contrabaixista Carlos Bica tocam ao vivo? O melhor será pegar no programa: a cada qual a sua banda sonora.

cesar.avo@sol.pt