‘Nunca pedi bilhetes para o futebol’

Cláudia Lopes não revela qual o seu clube, mas aponta o dedo aos dirigentes pela política de ‘lei da rolha’ que impõem aos jogadores. Diz que dessa forma não se promove o futebol como um espectáculo. Todas as semanas dá a cara pelo programa Mais Futebol, na TVI. Licenciada em Marketing e Comunicação, estagiou na…

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como é falar de bola no meio de homens?
já não é coisa que me intimide porque já lá vão muitos anos a fazer jornalismo desportivo. mas há, eventualmente, um grau de responsabilidade maior. o público que nos vê é maioritariamente masculino e menos condescendente para com as mulheres. quando começo o programa tenho de ter a certeza de que não existe nenhuma ponta solta, embora um dos meus editores diga que uma mulher pode dizer quase tudo desde que sorria [risos].

sempre gostou de futebol?
sempre gostei de desporto. na escola, fiz essa opção e cheguei a jogar andebol (fui atleta federada), voleibol, basquetebol… mas gostava de desporto como um hóbi, não me passava pela cabeça fazer jornalismo desportivo. se ao jornalismo já fui parar por acidente, ao jornalismo desportivo fui parar por um acidente ainda maior.

como foram esses ‘acidentes’?
fui parar ao desporto quando estava na rtp e tive de fazer um estágio na editoria de desporto. o meu primeiro serviço foi um treino da união de leiria. quando me mandaram fazer a reportagem, lembro-me de pensar que não conhecia um único jogador. quando lá cheguei disse: ‘mister, eu percebo zero disto. por favor ajude-me’. já agora, fica aqui um abraço para o vítor oliveira. depois, no fim do estágio, o miguel prates quis que eu ficasse.

nem sequer seguia o campeonato?
nada. limitava-me a ser de um clube e de vez em quando via uns jogos.

qual clube?
isso são outros quinhentos [risos]. claro que tinha uma sensibilidade maior do que alguém que não gostasse de desporto, mas sabia lá quem jogava na união de leiria. estamos a falar do ano da graça de 1998. já lá vão uns aninhos jeitosos.

e ao jornalismo foi parar como?
licenciei-me em marketing e comunicação e achei que não poderia nunca fazer um bom trabalho como assessora de imprensa sem saber como funcionava uma redacção. partindo desse princípio, no último estágio do curso fui para a rtp. comecei em 1995 e saí em 2006. foi um estágio um bocadinho longo…

percebeu imediatamente que era jornalismo que queria fazer?
sim, percebi que tinha chegado a um point of no return. aquela história do bicho…

não está a falar do jorge costa, pois não?
não [risos]. o tal bichinho do jornalismo é sem dúvida uma coisa que existe. mas tens de saber lidar com a desorganização que toma conta da tua vida: sem horários e sem conseguires planear nada com mais de uma semana de antecedência. mas, dito isto, não é que seja uma profissão com mais mérito do que as outras. as pessoas precisam da informação como precisam do mecânico se o carro não pega. nesse dia, a pessoa mais importante da tua vida é o mecânico e passas bem sem ler jornais. tudo tem um peso relativo. não acho que ser jornalista seja uma coisa do outro mundo, mas é uma coisa com o mundo um bocadinho ao contrário.

devido à sua componente emocional, o jornalismo desportivo é menos rigoroso?
não. e custa-me quando se encara o jornalismo desportivo como um jornalismo menor. é um jornalismo de espectáculo porque o desporto é um espectáculo, mas tem de ser feito com o mesmo grau de seriedade e de rigor.

mas os textos são muito mais adjectivados…sim, porque estás a falar de uma coisa que é espectacular. podes dizer que o golo foi espectacular, mas já não podes dizer que…

o vítor gaspar fez uma…
… uma intervenção espectacular no parlamento? é mais difícil, até porque o ministro não é propriamente uma pessoa empolgante. no jornalismo desportivo as pessoas lidam mal com a opinião, mas a opinião está consagrada na lei. o artigo-base que define o que é ser jornalista tem lá a palavra opinião, desde que seja assinada. mas os adeptos de futebol, os treinadores e os dirigentes convivem muito mal com a opinião e com a crítica. temos pena.

há muitas pressões dos clubes?
nunca senti isso verdadeiramente, mas também não serei a pessoa que mais liga a dirigentes e a treinadores. nem eles a mim. pelo facto de ser mulher, tenho de gerir a minha relação com as pessoas com pinças. estamos a falar de um mundo de homens, com homens que estão particularmente habituados a ter determinado tipo de relações com as mulheres – e vamos ficar por aqui. quando não abres a porta e não dás demasiado à-vontadinha, também não há à-vontadinha para as pressões. os favores neste meio pagam-se e se tu não os pedires eles não podem ser cobrados. ao fim de muitos anos de profissão, nunca pedi bilhetes para ir ao futebol. alguns colegas e pessoas do meio acham que tenho mau feitio, mas isso é espectacular, é uma capa óptima.

quem faz mais favores tem mais facilidade de acesso à informação?
claro. quando, numa conferência de imprensa, um jornalista faz uma pergunta encomendada, é óbvio que terá de receber alguma coisa em troca, mais tarde ou mais cedo. o facto de existirem três jornais desportivos também ajuda a que haja mais promiscuidade. os jornais têm de ir para as bancas todos os dias com determinado número de páginas e é óbvio que os clubes tentam controlar e influenciar. em espanha, por exemplo – e agora falando de jornais generalistas –, a coisa é mais correcta porque os jornais dizem que partido ou que candidato apoiam, tal como acontece nos eua. é mais transparente, mas não sei se em portugal estaríamos preparados para isso. nós gostamos mais da falta de transparência, porque entre os pingos da chuva há muita gente que se governa.

qualquer jornalista sabe que é muito difícil falar com os jogadores. como se lida com essa política dos clubes?
cada um deita-se na cama que faz. por isso é que os estádios estão vazios, o que é uma coisa para lá de triste. isso acontece porque a modalidade não é promovida como um espectáculo. para se promover um espectáculo é preciso promover os artistas. faria algum sentido pensar num festival de música só com os managers das bandas a falar e a dar entrevistas? posso dar um exemplo: no dia 11/11/11 achei que podia fazer uma peça com os números 11 das equipas. e pronto, foi uma boa ideia. falei com os clubes, mas nem pensar. tudo bem. eu faço o programa na mesma.

consegue entender isso?
consigo. é uma mentalidade pequenina. claro que é mais fácil instituir uma ‘lei da rolha’ do que dar formação aos jogadores e explicar-lhes como se fala numa entrevista ou como não se responde às perguntas complicadas. isso daria mais trabalho. e, depois, os dirigentes em portugal agarram-se às suas cadeirinhas do poder com unhas e dentes, porque há de facto um poder no futebol. se não houvesse, não haveria uma ligação tão clara entre o futebol e a política.

jose.fialho@sol.pt