‘Um socialista genuíno cospe no capitalismo’

Economista liberal assumido, já chocou muitas vezes o Brasil a partir das páginas da Veja, onde é colunista, com críticas destemidas a políticos de esquerda e a figuras que defendem a igualdade mas não prescindem dos luxos do capitalismo.

 Em Esquerda Caviar, livro que acaba de ser editado em Portugal pela Alêtheia, Rodrigo Constantino nomeia os 'idiotas úteis' do socialismo, categoria em que inclui o Papa Francisco.

Ao ler o seu livro ficamos com a ideia de que todo o socialista pertence à esquerda caviar. É assim?

Não necessariamente. Um membro da esquerda caviar é o socialista que vive na elite, tirando partido do conforto que o capitalismo oferece. Mas claro que existem socialistas que acreditam no socialismo e tentam viver de acordo com estes princípios. São os revolucionários, aqueles que cospem em todo o estilo de vida do capitalismo.

É preciso ser pobre para ser de esquerda?

Não. Mas é preciso ter o mínimo de coerência. Não posso respeitar artistas e intelectuais que vivem pregando bandeiras igualitárias e socialistas e depois  passam a maior parte do tempo a negociar cachês para o próximo concerto ou filme, lutando para ficarem cada vez mais ricos, e enviando os seus rendimentos para paraísos fiscais. Há um desencontro entre a mensagem e a prática.

Não se pode ser de esquerda, defender a saúde e a escola públicas, e recorrer a um hospital ou escola privada?

Pode. Só que ao tomar essa decisão está a demonstrar que a iniciativa privada oferece melhor serviço. Ou seja, defende que é necessário que o Estado ofereça estes serviços mas não confia nele como gestor.

Refere-se muitas vezes à hipocrisia dos socialistas. Defender o socialismo é ser hipócrita?

Tentei enumerar 20 possíveis origens da esquerda caviar, mas trata-se de um fenómeno complexo. O sociólogo francês Raymond Aron chamou a esta procura de uma utopia 'ópio dos intelectuais'. Como é que ainda há pessoas a defender o socialismo, em pleno século XXI, quando não há nenhum tipo de experiência bem sucedida do socialismo? Se calhar há algum factor psicológico ou interesses obscuros.

E na direita, não há hipocrisia?

Sem dúvida. Aquela direita retratada pelo filme Beleza Americana, por exemplo, na figura de um militar radical, moralista, puritano e que tem uma vida dupla, que trai a mulher ou que é homossexual. Essa direita existe e está aí.

Apresenta uma lista de 'idiotas úteis' da esquerda caviar. Admite ter algum preconceito ideológico?

Trata-se de um pós-conceito. Durante o auge do império soviético, vários intelectuais se prestaram ao papel de propagandistas daquela ditadura, daquele regime assassino. Lenine tratava-os como inocentes ou idiotas úteis. Ele sabia que artistas e intelectuais do Ocidente seriam facilmente manipuláveis em favor dos seus interesses.

Entre esses 'idiotas', como lhes chama, inclui o Papa Francisco, apesar de lhe fazer um elogio.

[risos] Acho o Papa Francisco uma figura interessante. Carrega uma humildade que me parece genuína e necessária para a Igreja. Mas por ser franciscano, latino-americano e por estar inserido na Igreja da América Latina é muito próximo da esquerda. Penso que este casamento entre Jesus Cristo e Marx – prevalecendo Marx – não beneficia o continente. A mensagem do 'coitadinho' e de encarar o sucesso individual como pecado não favorece a América Latina.

O confronto capitalismo vs. socialismo vai dar, regra geral, à dicotomia rico vs. pobre. A esquerda não esteve sempre mais atenta aos pobres?

Não. Essa é uma falsa dicotomia que tento desconstruir no livro. Os caminhos propostos pela direita, ou pelos capitalistas ou liberais, entregaram sempre melhores resultados para os mais pobres. Um pobre em Cuba vive numa situação muitíssimo pior do que um pobre nos EUA, na Austrália ou na Suíça.

Os seguros de saúde nos EUA são caros. Na Europa, só os governos de direita introduzem o princípio do utilizador-pagador no acesso à saúde, mesmo que a Constituição destes países defenda saúde universal e gratuita.

O conceito de saúde universal e gratuita para todos é muito bonito, é nobre, mas não funciona. O Brasil tem essa pretensão constitucional mas o que temos na prática é fila, mercado negro para quem pode pagar, falta de médicos e de remédios. E em Cuba ainda é pior. A saúde cubana é um lixo. Faltam lençóis e comida nos hospitais.

Mas a esquerda europeia continua a defender o Estado como o melhor gestor.

É um erro. O problema da Europa é o excesso de Estado, não a austeridade. A solução da Europa passa pela austeridade. Portugal está hoje melhor do que estava há quatro anos precisamente porque não ignorou a austeridade. Veja-se os casos da França ou da Grécia. A Grécia não cortou nos gastos nem assumiu uma política de privatizações. O futuro da Grécia é sombrio.

Como assim?

Alexis Tsipras e o Syriza são uma resposta demagógica dos gregos ao problema que estão a enfrentar. Mas penso que a Alemanha não vai aturar muito mais esta demagogia.

A Grécia será uma vacina para a esquerda?

A escolha da Grécia vai deixar bem claro que as soluções propostas são utópicas, fáceis e populistas. Não funcionam. Se a desgraça que se abater sobre a Grécia for realmente grande, como acho que vai ser, talvez os outros países europeus consigam evitar a catástrofe.

Como se poderia resolver então o problema da Grécia?

Com mais capitalismo, mais mercado, porque é isso que gera produção de riqueza e emprego. O melhor programa social que existe é o emprego. E quem pode oferecer isso são os empreendedores.

A edição portuguesa do seu livro não se debruça sobre a esquerda caviar nacional. Porquê?

As características da esquerda caviar são independentes da geografia. Importa contudo assinalar que enquanto a esquerda no Brasil continua impune e a abusar do poder, em Portugal há uma tentativa maior de aplicar a lei. A prisão de José Sócrates é um exemplo disso. Foi um duro golpe para a esquerda em Portugal. Aliada ao estrago económico que Sócrates fez enquanto foi primeiro-ministro, vai deixar os portugueses mais atentos ao discurso fácil.

A direita brasileira está nas ruas a pedir a demissão de Dilma Rousseff. A Presidente perdeu legitimidade para continuar o mandato?

Dilma é o que nós chamamos de 'pato manco'. Não tem habilidade política para negociar com a sua própria base aliada, o Partido dos Trabalhadores, e está com uma rejeição popular acima dos 50%. Não tem condições para fazer mais quatro anos pelo seu próprio pé. 

Esquerda que come caviar enquanto ataca os ricos

A reportagem de Yanis Varoufakis, ministro das Finanças grego, na Paris Match, em Março, reacendeu o velho debate sobre a esquerda caviar.

O ministro eleito pelo Syriza, partido de extrema-esquerda que saiu vencedor das eleições deste ano na Grécia, fotografado com a companheira, uma jovem e bonita artista plástica, numa boa casa com vista para a Acrópole durante um jantar regado a vinho branco, levou os mais críticos a levantar a pergunta: 'É este o ministro das Finanças que vai para a Europa pedir o perdão da dívida porque o seu país não consegue honrar os compromissos? É este o ministro que defende os pobres e que luta pela igualdade atacando os ricos?'.

A pressão foi tanta que Varoufakis, dias depois, veio tentar apagar o fogo que se alastrava nas redes sociais. “Gostaria que aquela sessão fotográfica nunca tivesse acontecido. Estou arrependido. Não sou fã do estilo daquelas fotografias”, clarificou.

A expressão gauche caviar (esquerda caviar, em português), que refere os membros da esquerda progressista (falsa esquerda, para alguns) que apreciam as mundanidades, começou a ser usada em França na década de 80 pelos detractores de François Mitterand. Em Portugal, foi aplicada pela primeira vez ao Bloco de Esquerda, nomeadamente a um dos seus fundadores, Miguel Portas (1958-2012), recordado, entre outras coisas, por apreciar momentos de tertúlia e de análise política à mesa de bons restaurantes.