Invasões chinesas

A tendência não é de agora. Nos Estados Unidos, os telemóveis Motorola já são de investidores chineses, que também compraram o luxuoso Waldorf Astoria Hotel, em Nova Iorque. No Canadá, o Cirque du Soleil vai falar mandarim. No Reino Unido, a empresa que gere o abastecimento público de água tem capitais da China.

Com reservas financeiras gigantescas, acumuladas em décadas de crescimento sem paralelo, o dragão asiático está com fome de investimentos no estrangeiro. Portugal está entre os parceiros de negócio preferidos na Europa e vai ser reforçado em breve: o destino do Novo Banco deverá ser escrito em caracteres chineses.

A Fosun e a Anbang, dois grupos chineses, apresentaram as ofertas mais generosas na fase de propostas não vinculativas pelo antigo BES – em torno de quatro mil milhões de euros. Se o avanço se confirmar na fase de ofertas vinculativas, Portugal vai tornar-se o segundo país europeu com mais investimento chinês nos últimos quatro anos, a seguir ao Reino Unido – está actualmente em quarto lugar.

Desde 2011, quando o interesse chinês se acentuou com o início da privatização total da EDP, os chineses já aplicaram mais de cinco mil milhões de euros em Portugal. O valor pode aproximar-se agora de 10 mil milhões com o investimento no Novo Banco.

Os investidores chineses devem assim ficar com 30% do sector segurador (Fidelidade), 15% do sector bancário (Novo Banco) e com as duas principais empresas eléctricas do país (REN e EDP). Só a empresa de António Mexia fornece 45% do mercado liberalizado de electricidade.

'Portugal deve abraçaro investimento'

Perante a ascensão dos chineses, há quem não esconda os receios. O presidente do BPI, Fernando Ulrich, mostrou-se “chocado” com a quantidade de investimentos em Portugal nos últimos anos, dada a ligação ao Partido Comunista Chinês (PCC).

Ao SOL, o vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa desdramatiza. “Não exageremos. Os investimentos angolanos e brasileiros em Portugal também têm sido avultados nos últimos anos. Claro que a cultura chinesa é muito diferente, mas Portugal só deve abraçar os investidores que cá querem investir. Infelizmente os investidores nacionais estão depauperados com as crises recentes”, sublinha Ilídio Serôdio.

O perfil de investidores chineses no país tem mostrado algum dinamismo. A primeira vaga foi de empresas estatais. A China Three Gorges e a State Grid são grupos públicos e compraram a EDP e na REN.

Agora estão a revelar-se investidores fora do espectro estatal. A Fosun, que já comprou a Fidelidade e a Espírito Santo Saúde, é o maior conglomerado privado chinês e está na corrida ao Novo Banco. A Anbang é uma seguradora que tem dado passos fora do seu negócio central. No ano passado, foi esta empresa que comprou o Waldorf Astoria Hotel em Nova Iorque, por 1,55 mil milhões de euros. Está agora disposta a desembolsar quase três vezes esse valor para ficar com o Novo Banco.

Para Albino Oliveira, analista da corretora Fincor, os investimentos internacionais do gigante asiático reflectem “o ritmo de crescimento e acumulação de reservas cambiais da economia chinesa nos últimos anos”, além das “reformas que continuam a ser implementas pelas autoridades locais”. A aposta específica em Portugal demonstra acima de tudo “confiança na economia portuguesa”, acrescenta.

O facto de Portugal ser uma porta para outros mercados é apontado por Ilídio Serôdio. “Os chineses consideram interessante a plataforma portuguesa em que a maior parte das empresas em que investiram têm posições e projectos no estrangeiro, nomeadamente nos PALOP”, diz.

Empresários são os novos militantes do PC chinês

Mesmo sendo empresas privadas, as ligações ao PCC são óbvias. Num país com um regime ora conhecido como capitalismo de Estado ora definido como socialismo de mercado, as relações com o partido têm de existir.

Guo Guangchang, o presidente da Fosun, é apontado como um elemento reformista no universo empresarial e político de Pequim. Construiu um império financeiro nos últimos 20 anos, à sombra do regime. Com uma fortuna total avaliada em 8,4 mil milhões de euros, ainda hoje pertence ao principal órgão consultivo do partido.

“Durante anos, o Partido Comunista da China preencheu organismos políticos e estatais fundamentais com servidores fiéis: trabalhadores do proletariado, intelectuais flexíveis e militares. Agora a porta está aberta para outro grupo: milionários e bilionários”, escreveu há dois anos o Wall Street Journal, sobre um encontro do partido em que Guo Guangchang apelou a uma maior liberalização dos serviços financeiros do país.

No caso da Anbang, as relações com o poder vão para além do Partido Comunista. O possível vencedor da corrida ao Novo Banco é Wu Xiaohui, um multimilionário que já foi casado com a neta de Deng Xiaoping, o líder chinês que arquitectou a abertura do país ao exterior, falecido em 1997. Entretanto divorciou-se.

Segundo o Financial Times, “Wu é conhecido em Pequim pelo seu estilo empresarial implacável e pelo apoio que tem de poderosos líderes políticos”. Construiu um conglomerado no sector imobiliário, na mineração e nas infra-estruturas. Criou a Anbang em 2004 “quando era praticamente impossível para os empresários privados obter uma licença para entrar no sector de seguros, dominado pelo Estado”, notou o FT.

Pouco muda nas empresas

Apesar da entrada em força em Portugal, os chineses tendem a mexer pouco nas empresas que controlam no país. “A tradição chinesa é de não mudar o que está a funcionar bem”, explica Ilídio Serôdio. Na EDP mantiveram a equipa de António Mexia e não houve sobressaltos. O mesmo está a acontecer na Fidelidade. No Novo Banco, “terão de gerir a transição, uma vez que a actual administração não parece querer ficar, mas não os vejo a trazer gestores bancários da China para gerir o Novo Banco”.

O problema é quando as coisas não funcionam bem. Cao Guangjing, o sorridente presidente da China Three Gorges que apareceu nas fotos com Vítor Gaspar e Paulo Portas quando comprou a EDP, foi despromovido para vice-governador de uma remota região chinesa, depois de serem descobertas irregularidades da gestão na China.

* Com Ana Serafim

Quem está a investir em Portugal?

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