A Europa tem culpa dos naufrágios?

A 16 de Abril de 2014, o ferry MV Sewol, com 476 passageiros a bordo, virou-se pouco depois de o pequeno-almoço ter sido servido na cafetaria. O acidente deu-se no trajecto entre duas cidades sul-coreanas e deveu-se em parte à inexperiência de quem pilotava o navio, em parte às fortes correntes subaquáticas, mais intensas do…

Um ano depois, a 18 de Abril de 2015, um naufrágio de ainda maiores proporções ocorreu no Mediterrâneo, a 70 km da costa da Líbia. A hecatombe, num mar considerado tão calmo que alguns até lhe chamam 'lago', terá provocado pelo menos 800 mortes.

A tragédia tocou, como é natural, os corações de muitos. Por cá, não faltou quem, ao ver as imagens do desastre, sentisse remorso pela sua vida confortável e o exprimisse através de afirmações piedosas, posts nas redes sociais e boas intenções que rapidamente serão esquecidas. Nessas manifestações de pesar, muitos apontavam o dedo à União Europeia.

Compreendo bem a onda de solidariedade que se gerou em torno dos migrantes e refugiados africanos que fogem dos seus países, até porque desde 2009 acompanho as notícias de naufrágios e de barcos sobrelotados. De resto, devo confessar que também não simpatizo com os burocratas que acreditam decidir os destinos do mundo a partir de Bruxelas e Estrasburgo. Mas dizer que a culpa deste flagelo é da Europa parece-me tão despropositado como acusar os petroleiros de serem responsáveis pelos ataques de piratas de que eram alvo no Golfo de Áden.

A Europa tem culpa dos refugiados? Só se for por se tratar de um sítio apetecível, onde há oportunidades de trabalho, segurança, estabilidade política e que proporciona aos seus cidadãos razoáveis condições de vida. Com maioria de razão se poderia assacar responsabilidades aos EUA, que com as suas intervenções (nomeadamente na Líbia) desestabilizaram a região e abriram a porta a fenómenos extremistas como o Estado Islâmico, provocando a fuga das povoações assustadas e reprimidas.

Também é curioso que muitos dos que apontam o dedo à Europa são frequentemente os mesmos que disseram maravilhas da Primavera Árabe e de outras revoluções cujas consequências estão agora à vista. O Norte de África pode estar o caos, que eles dirão que faz parte do processo – melhores tempos virão, basta ter alguma paciência. Mas a Europa, essa, atravessa uma crise profunda, precisa de ser repensada. Está a dar as últimas – vaticinam. Dizem-no num tom grave, com aparente preocupação, embora no fundo sintam uma espécie de prazer masoquista. Ora, esquecem-se de que há quem perca a vida em busca daquilo que desvalorizam. Não vêem que essas críticas e lamentos são um insulto a quem tudo daria para ter oportunidades iguais às suas?  

jose.c.saraiva@sol.pt