Portugal forçado a abdicar de centros de decisão

Há 10 anos surgiu o Manifesto dos 40, com influentes economistas e gestores a defender a manutenção dos centros de decisão em Portugal. Hoje o país está descapitalizado e a questão deixou de fazer sentido. Resta-nos manter as competências.

no próximo mês de fevereiro faz 10 anos que eduardo catroga deu uma longa entrevista em que apontava o dedo ao modelo de privatizações que estava em curso, defendendo que o estado nunca deveria reduzir a sua participação em empresas estratégicas, como edp, ren, galp energia e pt, abaixo dos 35%. e durante anos foi um acérrimo defensor dos centros de decisão nacionais, tendo inclusivamente participado no famoso manifesto dos 40, que nasceu em 2002 pela mão de vários influentes economistas e gestores do país.

hoje, o estado – por decisão de passos coelho, cujo programa de governo teve a ‘mão’ do ex-ministro das finanças – está prestes a sair do capital de todas estas companhias, antecipando-se que quase todas as participações sejam vendidas a estrangeiros. e eduardo catroga, que sempre defendeu a gestão privada, mas com capital público, vai ser o presidente do conselho geral de supervisão da recém-privatizada edp.

apesar de tudo, catroga garante, em declarações ao sol que continua a ser «um convicto defensor dos centros de decisão nacional». fazendo uma breve resenha histórica para dizer que «há 20, 15 ou 10 anos os núcleos duros eram estáveis e coerentes e conseguiam manter a autonomia estratégica das empresas, o que era muito importante para a economia portuguesa», o economista/gestor não tem meias-palavras para apontar as culpas à governação de sócrates.

«nos últimos 10 anos, infelizmente tivemos um josé sócrates com políticas socialistas irresponsáveis que levaram o país à bancarrota e assim é impossível assegurar qualquer centro de decisão nacional em termos de capital. além do estado, as empresas públicas e mesmo os grandes grupos nacionais privados estão descapitalizados».

também francisco van zeller, que durante anos foi presidente da confederação da indústria portuguesa (cip) e subscreveu o manifesto dos 40, partilha desta visão. «se pudéssemos escolher, seria isso que faríamos, manter os centros de decisão nacional, mas quando não há dinheiro as alternativas podem não ser tão agradáveis». e diz mesmo que, hoje, o manifesto dos 40 não faria sentido. «seria um pouco quixotesco, porque o mundo mudou».

outro subscritor do manifesto que se ‘adaptou’ aos tempos que correm é ricardo salgado. em entrevista ao sol, dada em maio passado, o presidente do bes afirmou que «a nossa prioridade hoje é pagar a dívida e para isso vamos ter de vender alguns activos». salgado admitindo ser «natural que os investidores queiram ter alguma palavra a dizer sobre os destinos dessas empresas».

mas, apesar de tudo, portugal tem conseguido assegurar a defesa dos seus interesses. outro ex-banqueiro que participou no manifesto, mas prefere agora manter-se no anonimato, frisa que «no mundo de hoje, mais importante do que a origem do capital, o que realmente conta é onde estão os centros de competência». e, em termos gerais, nas empresas dos sectores estratégicos, como a energia e as telecomunicações, bem como na banca, «isso tem sido acautelado», considera.

o sol contactou outros economistas e gestores que foram dos mais acérrimos defensores dos centros de decisão nacionais e que participaram no manifesto dos 40, mas agora não querem pronunciar-se publicamente sobre o tema. são os casos de vítor bento, nogueira leite, paulo teixeira pinto, vasco de mello. também carlos tavares, actual presidente da cmvm, que quando era ministro da economia de durão barroso assumiu claramente esta causa, agora prefere remeter-se ao silêncio.

luis.gonçalves@sol.pt
tania.ferreira@sol.pt