O direito de ser Presidente

Já aqui escrevi que o debate sobre as eleições presidenciais me parecia extemporâneo, desviando as atenções de prioridades políticas mais imediatas e determinantes como as eleições legislativas. Mas sendo as coisas o que são, com vários candidatos anunciados, e tendo em conta, especialmente, as paixões despertadas pela candidatura de Sampaio da Nóvoa, não é já…

Dito isto, o que mais me tem surpreendido é a inédita ferocidade das reacções contrárias à candidatura de Nóvoa e a natureza dos argumentos esgrimidos pelos seus opositores – sobretudo da direita, mas também da esquerda, como o socialista Sérgio Sousa Pinto. 

Basicamente, o que se questiona ao ex-reitor da Universidade de Lisboa é a sua ausência de experiência político-partidária, de não passar de um “estagiário” da política, desqualificado até para o cargo de presidente de Junta de Freguesia (Pedro Marques Lopes), “de nunca se ter metido com partidos, de que fugiu como do tifo” (Sousa Pinto) ou ser, cúmulo dos cúmulos, “uma não pessoa, um saco vazio” (Vasco Pulido Valente). Apreciações mais ou menos convergentes foram produzidas por outros comentadores conhecidos, como José Manuel Fernandes ou Helena Matos no site militante de direita Observador. 

Ninguém terá ido tão longe, porém, no insulto soez e rancoroso, como o inimputável Pulido Valente (PV), que perora aos fins de semana no Público, com a condescendência e a subserviência intelectual de quem o acolhe como uma das maiores luminárias do pensamento político português. 

Definitivamente indisposto com esta pátria desgraçada mas incapaz de libertar-se dela, PV oferece de si mesmo um retrato patético, apenas enquadrável numa análise psicanalítica. A sua má-criação congénita encontrou em Sampaio da Nóvoa o último pretexto para aliviar uma bílis carregada de ressentimento, desprezo e ódios de estimação.

Uma frase edificante: “Meia dúzia de homens de músculo político agarraram na criatura e resolveram enfiar a dita sem grande cerimónia pela goela aberta de um povo miserável e de uma 'classe dirigente' sem destino ou vergonha”. 

De passagem, PV reduz Jorge Sampaio ao “vácuo de uma cabeça onde nunca entrou nada”. E depois de outras pérolas de igual quilate, a frase de Sampaio da Nóvoa de que não assistiria “impávido” à “degradação da nossa vida pública” suscita-lhe o comentário final: “Não percebe ele que a sua própria candidatura, fabricada por meia dúzia de maiorais do PS, à revelia dos portugueses (que nem o conhecem), é o mais grave e humilhante sinal da 'degradação da nossa vida pública'?”. 

Mesmo para quem, como eu, não é fã do estilo retórico de Sampaio da Nóvoa, demasiado redondo, enfático, hiperbólico, cultivando clichés herdados da geração de 70, todas estas reacções de hostilidade desmedida, à mistura com inqualificáveis ataques pessoais, constituem um sintoma claro de degradação do debate político. 

No fundo, Nóvoa estaria proibido, enquanto cidadão – e cidadão com uma reputação académica inquestionável -, de concorrer à Presidência da República por falta de currículo político-partidário ou ser o 'idiota útil' de uma conspiração da esquerda radical, em aliança subterrânea com uma parte do PS, visando a conquista do palácio de Belém. 

Mas se Nóvoa, conforme pretendem os seus detractores mais inflamados, não passa de um pobre desconhecido – outro gravíssimo pecado, como se a cidadania se medisse, desde logo, em termos de notoriedade política – que justifica, então, a brutalidade da campanha contra ele e a quase diabolização da sua candidatura? 

A explicação mais racional é a de que, no fundo, este estrangeiro ao mundo tradicional dos partidos, detentores do monopólio de investidura à função presidencial, pode constituir uma ameaça às regras estabelecidas. Sobretudo num contexto em que a direita, contra as expectativas precoces que se alimentaram, parece muito dividida sobre a escolha do seu candidato. 

E se a tão criticada inexperiência política de Nóvoa, neste momento de desencanto profundo com o status quo, representasse, pelo contrário, um trunfo invejável, um sinal de esperança na regeneração do papel do Presidente da República e de uma sua relação mais próxima com os cidadãos? 

Nóvoa não se distinguiu apenas na renovação da Universidade de Lisboa. Tem a seu favor um passado de integridade pessoal e dedicação à causa pública que pode mobilizar um eleitorado descrente dos chamados políticos profissionais. Não sei ainda se será o meu candidato. Mas a campanha para hostilizá-lo está a funcionar como um incentivo para votar nele.