Patrick Watson: Aqui não há um único robot

Pelo menos até ao final de Agosto, enquanto andar em digressão pela Europa com o novo Love Songs for Robots, haverá uma rotina que Patrick Watson não dispensará: olhar para a lista que fez em Little Portugal (bairro de Montreal onde vive) com o nome dos discos que perdeu no último ano – porque não…

Em Março, quando passou por Lisboa para promover o mais recente álbum (nas lojas segunda-feira), Xen, de Arca, já estava reservado para a viagem. Foi a canção 'Pendulum', de FKA Twigs, com produção do venezuelano, que suscitou a curiosidade de Watson. “Fiquei maluco quando ouvi essa faixa”, conta, sentado na esplanada de um café no centro de Lisboa, enquanto pede uma “bica, mas com um pouco de leite” (a segunda da manhã, pelo que atestamos pela chávena que repousa na mesa).

Falador incansável e igualmente veloz a debitar palavras, o músico canadiano, alvo de profunda devoção em Portugal, explica que o fascínio pelo tema de FKA Twigs tem origem no seu interesse em música electrónica. Revelação estranha para quem anda, há mais de uma década, a escrever canções intimistas e melancólicas de forma orgânica. 

“Gosto muito de experimentar e de produzir. Para chegar a um disco de dez temas, há uns 30 ou 40 que ficam pelo caminho. Desta vez estive uns quatro meses a fazer hip hop muito bizarro e electrónica. Mas sempre que tentei aproveitar alguma coisa, mal colocava a minha voz não havia maneira de fazer aquilo funcionar”. Conformado com a situação – “porque não podes contrair os teus talentos e o meu é ser íntimo” -, desenvolveu, porém, uma relação de frustração com esses universos sonoros, semelhante, diz, ao que sentimos quando vamos a um restaurante com vontade de comer algo e não há na ementa.

Anexar uma imagem universal ao que quer transmitir é recorrente na conversa com o SOL e é isso, provavelmente, que faz dele um comunicador nato e bastante divertido. Por exemplo, no tópico 'sacar gargalhadas ao interlocutor' diz que quando olha para o seu percurso, gostaria de ter começado com Close to Paradise (2006) porque os primeiros álbuns são muito “imaturos”, próprios de quem é demasiado jovem para saber o que anda a fazer. “Ainda bem que o meu primeiro disco não se arranja em lado nenhum. Sentir-me-ia demasiado envergonhado se alguém o ouvisse hoje. Imaginem o que o Justin Bieber vai sentir quando tiver 35 anos e olhar para a merda que anda a fazer agora. Dá um tiro nos cornos”.

Felizmente para Watson, os primeiros discos não o comprometem assim tanto. E o músico espera que, daqui a duas décadas, quando atingir a idade de Madonna, o trabalho também não o atraiçoe. “Não percebo como ela faz álbuns medíocres. Será que os produtores lhe mentem ou será uma coisa da idade? Tenho pavor que isso me aconteça e quero que me digam sempre a verdade”. 

Para já, é ele quem escolhe a sua verdade. O título Love Songs for Robots (Canções de amor para robôs) é, em certa medida, sobre isso mesmo. “É um nome perigoso, pode ser sobre várias coisas, até para mim, e tem suscitado as entrevistas mais esquisitas de sempre. Deve ser divertido para o leitor, mas eu a falar pareço um louco”. 

Nem tanto, asseguramos, embora seja fácil compreender que o considerem lunático quando diz que já há um vírus que entra no ADN de um rato, muda toda a sua estrutura genética e faz com que o animal paralise sempre que vê uma luz azul. “Li isto num jornal científico, mas quando partilho com as pessoas ninguém acredita. Acham que isto só vai acontecer daqui a 20, 30 anos, mas já é a nossa realidade. É por isso que já nem vejo notícias. São completamente anacrónicas em relação à realidade. Parece que estou sempre a ler coisas que já aconteceram há cem anos”. Outra interpretação que gosta de dar ao nome do álbum diz respeito à sua crença de que as emoções são mecânicas.

Esta consciência é recente, mas Watson recorre, mais uma vez, a um exemplo visual. “Sabes quando acontece algo mau e tens um chapéu-de-chuva amarelo contigo? Anos depois vês um chapéu amarelo e, naquele instante, mecanicamente volta tudo”. 

Há quem chame a isso trauma, mas o canadiano continua: “Sempre achei que tinha total controlo sobre as minhas emoções. Como poderia não ter se escrevo sobre elas há tanto tempo? Mas há coisa de ano e meio percebi que as emoções estão intimamente ligadas a memórias que ficam guardadas na 'parte de trás' do nosso cérebro”.
Que situação despertou tudo isto não quis partilhar, mas, para a troca, revelou que o título também surgiu por adorar ficção científica, excepto quando envolve “dragões, pessoas com três cabeças ou cinco braços”. 

'Trekkie' fervoroso

Uma das suas séries favoritas é Star Trek – o Caminho das Estrelas, em particular, pela forma como conseguiu abordar os grandes tabus do século XX no mais massificado meio de comunicação social: a televisão. “Aquela soap opera tem mais interacção social do que qualquer outra arte do século passado”, considera. 

A par disso, frisa, a novela mostrou a milhões de pessoas sentadas nos sofás o primeiro beijo inter-racial na TV, uma mulher negra inteligente, um chinês e um russo a trabalhar durante a Guerra Fria para os norte-americanos. “Devagar, estas ideias foram ficando na cabeça das pessoas, mas como se passava tudo num mundo paralelo, ninguém desconfiava que era sobre a vida real”.

É nesse sentido que o canadiano defende a importância da ficção científica e Love Songs for Robots é, com assuntos menos sérios, a sua maneira de falar de “coisas ridículas” sem activar os mecanismos de defesa dos ouvintes. Até porque, lembra, é apenas um músico e o seu papel não é o de influenciar a forma como as pessoas pensam, mas sim accionar os botões.

alexandra.ho@sol.pt