China continua a recorrer à tortura para obter confissões

A lista de abusos físicos e psicológicos a que os detidos chineses são sujeitos pela polícia durante os interrogatórios é longa e brutal, mesmo após a adopção de regulamentos para o impedir, denuncia a Human Rights Watch.

As conclusões da organização de defesa dos direitos humanos foram hoje apresentadas em Hong Kong e são fruto da análise a 158.000 veredictos de tribunais chineses entre 01 de Janeiro e 30 de Abril de 2014 – entre estes há referências ao recurso à tortura policial em 432, a maioria (67) na província de Guangdong, apesar de apenas em 23 casos as provas obtidas por este método terem sido consideradas inadmissíveis. 

A Human Rights Watch (HRW) entrevistou também 48 detidos, familiares, advogados e antigos dirigentes.

No relatório, hoje divulgado, "Tiger Chairs and Cell Bosses – Police Torture of Criminal Suspects in China" – uma referência às cadeiras metálicas em que os detidos são presos dias a fio e aos detidos encarregues de gerir as celas, que frequentemente maltratam outros -, a organização defende que as normas adoptadas pela China entre 2009 e 2012, depois de casos mediáticos de abusos sobre detidos, não surtiram o efeito desejado.

"Em 2015, a tortura continua a ser uma grave preocupação em casos de detenção criminal. Na verdade, é perturbador o quão comum é", disse Sophie Richardson, directora da HRW para a China, durante a apresentação do relatório.

A HRW recolheu relatos de que, durante os interrogatórios, é comum que os detidos sejam presos pelos pulsos e pendurados sem os pés tocarem o chão, agredidos com bastões policiais, bastões eléctricos, varas de ferro, que sejam pontapeados, que lhes seja vertido óleo de malagueta dentro do nariz ou nos genitais, que sejam expostos a temperaturas negativas sem roupa, forçados a manterem-se em posições de stresse, privados de sono, alimentos ou água, entre outros abusos.

Há também registos de mortes, mas as autoridades catalogam a maioria dos casos como sendo consequência de "morte natural".

Os advogados não podem estar presentes durante os interrogatórios – entre 70 a 90% dos detidos não teve mesmo acesso a um advogado – e os detidos não têm direito a não se incriminar (mantendo-se em silêncio), além de verem restringido o contacto com a família.

Apesar de a China ter avançado com regulamentação para impedir a tortura nos centros de detenção – onde os interrogatórios são filmados – os detidos são muitas vezes levados para outras instalações sem supervisão, onde, mais recentemente, lhes são infligidos golpes cujas marcas saram rapidamente.

Para Sophie Richardson, o "enorme poder policial" está no âmago do problema, com as autoridades a terem, por exemplo, permissão para interrogarem um suspeito por 37 dias.

"Estamos muito longe de estar numa luta justa. A polícia tem tanto poder, não apenas sobre os suspeitos, mas também no tribunal. A menos que a polícia veja reduzidos os seus poderes, não vamos assistir a mudanças reais", afirmou.

Segundo a HRW, as denúncias de tortura são habitualmente avaliadas em tribunal tendo apenas em conta as provas documentais, produzidas ou controladas pela polícia. A conduta da polícia raramente é questionada por juízes ou procuradores, indica o relatório.

Um dos aspectos que mais surpreendeu a equipa da HRW foi a actuação dos médicos: "Podiam detectar maus-tratos, mas não o fazem. A consistência desta descoberta foi perturbadora, esperávamos encontrar menos [casos]".

De facto, de acordo com os relatos recolhidos, a maioria dos médicos não questiona os detidos sobre sinais óbvios de abusos físicos e a presença da polícia durante os exames torna difícil que sejam os próprios a chamar a atenção para o facto.

Para a organização, a persistência destes casos não é consistente com a garantia do Presidente Xi Jinping "de que o Governo respeita o Estado de Direito". 

"Não acho que há sinais de que o Presidente esteja a levar este problema a sério, que esteja a ir atrás da polícia. Os últimos dois anos têm sido bastante negros para a sociedade civil, centenas de pessoas foram agredidas, ou desapareceram", lamentou a directora da HRW para a China.

Lusa/SOL