A angústia de Marcelo

Marcelo Rebelo de Sousa dedicou-se há 15 dias, no seu programa semanal, a um invulgar exercício de cinismo.

Marcelo comentou as várias hipóteses de candidaturas presidenciais como se não tivesse nada que ver com o assunto.

Perante um complacente José Alberto Carvalho, Marcelo falou, com uma estudada inocência, de Sampaio da Nóvoa, de Rui Rio, de Pedro Santana Lopes.

E quando o jornalista lhe recordou timidamente que Marques Mendes o tinha referido no dia anterior como o melhor candidato da direita, Marcelo disse esta coisa espantosa: “O meu nome para a Presidência? Isso é uma coisa doentia do Marques Mendes, uma ideia fixa, uma monomania”.

Marcelo Rebelo de Sousa e a TVI deviam poupar os telespectadores a este tipo de exercícios.

Marcelo devia dizer: “Eu não comento as presidenciais, visto poder vir a ser candidato”.

Ou então: “Eu não serei candidato, pelo que comentarei as presidenciais sem quaisquer constrangimentos”.

Agora, comentar como se estivesse de fora e poder vir a estar dentro, isso não é aceitável.

Claro que eu percebo que Marcelo não queira dizer nada.

Se admitisse ser candidato, teria de interromper o seu programa televisivo – e não quer fazê-lo.

Porque assim mantém uma tribuna semanal, ainda por cima paga.

Marcelo Rebelo de Sousa recebe para ter um tempo de antena regular!

Nenhum outro candidato dispõe deste privilégio.

Entretanto, não tenho dúvidas de que Marcelo é a figura da direita com melhores hipóteses de ganhar as presidenciais.

Porquê?

Porque tem imensa popularidade, construída em anos e anos de prédicas semanais na TV – e também porque tem poucos anticorpos.

Ao longo dos tempos, Marcelo tem vindo a amaciar os seus comentários, a limar as arestas, no sentido de não ofender gregos nem troianos.

Muitas vezes nem dá opinião sobre os assuntos que comenta: faz uma exposição, como se estivesse a dar uma aula, abstendo-se de dizer o que pensa…

E frequentemente até é mais crítico para a sua área política, o PSD, do que para as outras.

Marcelo acha que os 'laranjinhas' e a direita em geral votarão naturalmente nele, pelo que terá de cativar os outros: os socialistas e certos eleitores à esquerda.

E essa estratégia tem resultado: hoje Marcelo tem apoiantes em quase todas as áreas políticas (ao contrário de Sampaio da Nóvoa, que não penetra no eleitorado central).

Assim, se for o único candidato da direita a ir às urnas, Marcelo poderá ganhar logo à primeira volta; e, se passar à segunda volta com Sampaio da Nóvoa, vencê-lo-á.

Terá à roda de 60% dos votos.

Sucede que, se Marcelo é um excelente candidato, dificilmente será um bom Presidente.

A intriga, a maquinação, a conspiração estão na sua natureza.

Sempre foi assim e assim será.

Se fosse eleito, Marcelo Rebelo de Sousa faria de Belém um centro de conspirata permanente, sendo uma fonte de problemas para qualquer Governo – de esquerda ou de direita.

O Presidente da República tem de ser antes de tudo um factor de estabilidade – e Marcelo seria exactamente o contrário: um factor de agitação.

Portanto, o PSD tem este dilema: o seu melhor candidato é o menos fiável.

Mas há outra razão que faz de Marcelo uma aposta problemática: ele vive o drama interior de não saber se há-de avançar ou não.

No fundo, todo esse equilibrismo a que ele se entrega resulta dessa indecisão.

Por um lado, desejaria muito ser candidato; por outro, receia candidatar-se.

E isso também contribui para não querer largar o seu programa na TV.

Hoje, Marcelo fala das presidenciais, comenta as presidenciais, analisa os candidatos – sem conseguir decidir se estará ou não nessa corrida!

Calcula-se que esta situação seja para ele bastante angustiante.

P. S. – O apoio de Eanes a Sampaio da Nóvoa, depois de ter apoiado Cavaco Silva, causa bastante perplexidade. Mas é bom lembrar que ele escolheu Maria de Lourdes Pintasilgo (uma mulher de esquerda) para suceder a Mota Pinto (um homem de direita) na chefia do Governo. A meu ver, Eanes dá mais importância às características pessoais do que ao posicionamento político. O seu PRD, aliás, era quase apolítico – dizendo assentar nos 'homens bons'. 

Crónica originalmente publicada na edição em papel do SOL de 15/05/2015