Namoro à antiga

Embora a primeira mensagem de texto na história, vulgo SMS, tenha sido trocada entre dois colegas no Reino Unido – colegas, mas não ao estilo de Zuckerberg, OK? -, a origem das mensagens para a população geral é nórdica.   

Ahhhhh! (suspiro) – Os nórdicos!… 
Como adoramos os nórdicos, essa estirpe à parte, educada, organizada, prática, previdente, inteligente! Como adoramos os nórdicos, que são quase como os japoneses, só que sem os olhos em bico e com menos informação estética! 

Como adoramos os nórdicos, que até têm governantes a ir de bicicleta e de transportes, assim misturados com o povão, para o trabalho. E cedo!

Quando da Europa Central veio a crise, amámos ainda mais os nórdicos e a sua forma despojada de ser, a sua forma ascética de estar na vida. Como adorámos todos os exemplos de simplicidade e eficácia. De poupança e economia! Como quisemos tanto acabar com a raça dos motoristas e com os bilhetes de avião em primeira… Era até capaz de dizer que deve ter havido alguém na nossa Assembleia da República que chegou a ir a Alfragide com a intenção de comprar uma bicicleta para começar a ir para o trabalho 'à nórdica', mas que depois, bem vistas as coisas, quer a Calçada da Estrela, quer a rua de São Bento não eram lá grande espingarda para andar de 'bina', e ainda bem que se guardou o talão, perdão, factura, porque assim deu para devolver a mercadoria e reaver o dinheiro. 

'Ah, os nórdicos'. 
Viu pela primeira vez a luz do dia, no passado dia 5, a biografia autorizada do nosso primeiro-ministro, Somos o que Queremos Ser, livro polémico para os centristas, que estão agastadíssimos com a revelação da demissão de Portas por SMS. 
 

Fazendo assim as contas por alto e estimando valores, já que isto começou tudo a dar-se mal por causa dos números, um livro biográfico do nosso 'Primeiro' há-de ter meio milhão de caracteres. Ora, já uma mensagem de texto tem apenas 160 caracteres. Logo, a SMS corresponde tipo a 0,03% do livro, mais coisa menos coisa… 
 

Nós, portugueses, nunca havemos de ser como os nórdicos. Nunca havemos de sair da cepa torta porque estamos muito preocupados com detalhes. Com coisinhas. E todo este sururu à volta de uma SMS é a prova disso mesmo. 
 

Tivesse este exemplo vindo dos nórdicos, já estava lançado o debate: o reflexo do exercício mais maravilhoso da cidadania, da ecologia, do respeito e da eficácia. Tivesse isto sido com os nórdicos, já havia um grupo no Facebook para comentar o tema e legislar, na Assembleia, a comunicação laboral por SMS. Sim, porque devíamos usar mais SMS e menos papel, como avisa aquele banner no fim dos emails que todos ignoramos. 
 

Oh, tivesse sido isto com os nórdicos. 
Bem vistas as coisas, isto parecem os conflitos entre casais, aqueles que discutem imenso as relações. No nosso contexto comportamental mediterrâneo (não é só a dieta, não), altamente barroco, é incrivelmente significativo, porque há uma regra qualquer no nosso 'código deontológico' que vem instalado de origem, que diz que não se acaba nada por SMS. Nem se começa. Claro que para um advogado é bom que seja o contrário, porque uma SMS constitui uma prova escrita de natureza contratual, mas isso são outras núpcias. 
 

A 'cena' é que o Portas mandou uma mensagem a acabar com o Passos, e isso não se faz. É podre. Não se acaba por SMS, não somos nórdicos. Acaba-se por carta lacrada. É o mínimo. E também se começa por carta. Ainda assim, diz que a coligação está forte. Género uma funge bem batida.
 

Em 2009, Ruth Marlene lançava 'SMS de Amor', single sobre a apatia de um amante que só namora por SMS e não passa à acção, pelo que a protagonista da pequena narrativa não está lá muito confiante sobre o futuro da relação. 
 

Tomando a música pimba como uma nova forma de transmissão de sabedoria popular, com as eleições às portas, nisto da coligação devia aplicar-se Ruth Marlene: "(…) Isso é bonito mas eu contigo não sei se fico ou se não | Pois eu preciso de alguém que passe à acção (…)". 
 

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