Passos Coelho: ‘Tenho uma visão positiva do mandato de Carlos Costa’

Passos Coelho abre a pré-campanha eleitoral com uma grande entrevista ao SOL, onde fala das angústias vividas no passado recente e não poupa António Costa. Leia aqui a 2.ª parte da entrevista publicada na edição em papel do SOL de 15 de Maio de 2015.

Como são as suas relações com Angela Merkel? Houve algum momento de tensão entre ambos? O seu lema é 'se não podes vencê-los, junta-te a eles'?

Não, porque a lógica não era essa. A minha relação, quer pessoal quer política com Angela Merkel, é bastante boa. A Alemanha e a sua chanceler foram bastante importantes em alguns momentos da nossa vida nos últimos três anos. O momento de maior tensão com ela acabou bem. Teve a ver com a aceitação, por parte da Alemanha, da extensão das maturidades da nossa dívida aos parceiros europeus. Isso permitia-nos fazer emissões a dez anos que dessem tranquilidade aos tomadores da dívida. Para nós era muito importante que isso acontecesse em simultâneo com a Irlanda, que tinha a mesma expectativa. Ora, a chanceler alemã tinha dificuldade em explicar ao seu Parlamento por que razão haveria de levar uma proposta para estender a maturidade dos títulos irlandeses quando a Irlanda já gozava de taxas de juro a dez anos mais baixas do que a Itália ou a Espanha. E dizia-me: 'Pedro, como é que vou pedir aos meus deputados que dêem mais prazo aos irlandeses quando eles já têm mais facilidade que os italianos ou os espanhóis?' Eu disse-lhe: 'Esta é a altura em que nós precisamos de evitar um segundo programa e isso faz-se com a extensão das maturidades. Para nós e para os irlandeses. A chanceler alemã 'comprou' a ideia e bateu-se por ela na Alemanha. E isso também se deveu ao facto de saber que não havia nada de postiço na nossa posição. Nós não estávamos a querer enganar a troika. Portugal precisa de ter contas certas! Em 41 anos de democracia nunca tivemos um excedente orçamental. Pelo contrário, tivemos sempre défices e até défices primários, o que significa que estivemos sempre a aumentar a dívida. Ora, se queremos mudar de vida, não podemos fazer de conta que apenas precisámos de apresentar bons resultados enquanto estávamos sob resgate. É essencial mudarmos mesmo de vida para nos livrarmos da ditadura dos números, da ditadura financeira.

Alertou no fim-de-semana para os riscos de uma fragmentação política da União Europeia. Acha que há o risco de a Grã-Bretanha sair da UE com o referendo de 2017?

Espero que esse risco seja minimizado e que o facto de David Cameron ter ganho as eleições com um conforto bastante grande retire também alguma pressão à sua necessidade de afirmação interna.

O desastre eleitoral dos trabalhistas britânicos seguiu-se a uma derrota do Pasok na Grécia e a uma derrota do PS de Hollande nas municipais. Isto configurará um ciclo de crise para os partidos socialistas europeus? E isso pode trazer-lhe vantagens?

Julgo que não há um padrão. Os trabalhistas sofreram uma pesada derrota no Reino Unido apesar de, em termos absolutos, não terem tido muito menos votos do que os conservadores. Devemos olhar para o resultado no Reino Unido com algum cuidado. Em segundo lugar, o que tem vindo a acontecer é que os partidos socialistas que chegam ao poder – observou-se isso em França e em Itália – com uma perspectiva voluntarista relativamente ao crescimento da economia e contra a chamada 'agenda de austeridade' (isto é, de combate aos défices excessivos) têm vindo a ter um comportamento muito contraditório com a sua expectativa eleitoral. E isso traduziu-se em alguns casos (seguramente no caso francês) numa certa desilusão dos eleitores que votaram nesses partidos. Veremos o que se passará em Itália, onde o primeiro-ministro Renzi tem estado a aplicar um menu de reformas estruturais que só podem deixar muito incomodada a esquerda portuguesa e, em particular, os socialistas.Como é o caso da reforma da lei laboral no que respeita aos despedimentos.

Como vai acabar o drama grego? A Grécia vai sair da Zona Euro?

Não quero fazer nenhum exercício de adivinhação e não vou responder à pergunta literalmente. Era importante para todos nós, para a Grécia e para a União Europeia, que tal não acontecesse. Os acontecimentos que vêm associados a situações dessas são imensos: fica sempre uma perturbação financeira para lidar; fica sempre a ideia de que, se um pode sair do euro, pode haver uma sequência de saídas futuras; e essa discussão acaba por ser impulsionada nos países em que aparecem posições mais radicais que questionam a permanência na Zona Euro ou a permanência na própria União Europeia. Portanto, espero que a Grécia acabe bem. Mas não é um processo que tenha bom aspecto. Não se pode dizer que está bem encaminhado, que as coisas têm corrido bem, que tem havido uma grande aproximação de posições, que estamos muito próximos de obter um acordo. É exactamente ao contrário.

Há também aquela perspectiva de que, se a Grécia sair, Portugal é o próximo. Iríamos ter problemas…

Isso teria sempre problemas para vários, não só para Portugal. Nas variações que se têm feito sentir nas taxas de juro a dez anos, o efeito de base tem sido muito semelhante em Portugal, em Espanha, em Itália… Se a Grécia saísse, passaríamos por um período de instabilidade, de volatilidade financeira, mas haveria uma resposta forte que garantiria que países como Portugal, Espanha ou Itália não veriam nesse movimento uma ameaça séria à sua estabilidade financeira. O problema que se põe não é de curto prazo mas sim de médio e longo prazo. Porque temos ainda muito que fazer durante muitos anos até regressar às linhas fundamentais que constituem o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Há países que demorarão 10, 15, 20 anos a regressar a um rácio de dívida de 60%. A própria Alemanha tem um rácio de dívida acima de 80%. A Europa precisa de estabilidade. Ter alguém que sai do clube mesmo quando há gente que quer entrar no clube é uma primeira machadada na ideia de que isto veio para ficar e é assim para todos. O euro, de certa maneira, funciona como um guia de construção política da Europa. E portanto, se falhar, a União Europeia como a concebemos falharia também.

A nossa situação financeira ainda está longe do ideal. Mas a ministra das Finanças disse que Portugal tem os cofres cheios. Foi uma expressão feliz?

Somos criticados por dar respostas longas e criticados por dar respostas sintéticas. A resposta da ministra das Finanças disse quase tudo o que era importante. Disse que Portugal não está de mão estendida, não está sob stresse, não está aflito para poder resolver os seus compromissos, seja dentro do país, com salários, pensões, etc, seja os compromissos externos, os da dívida. E isso, para um país que há três anos teve de aceitar condições muito severas para uma intervenção financeira externa, é um benefício muito grande. Mas a ministra das Finanças acrescentou que os cofres estão cheios porque estamos a amealhar para poder amortizar dívida, pagar o que devemos. E numa altura em que se está a discutir uma solução para a Grécia, que pode conduzir à volatilidade dos mercados, é muito tranquilizador para os portugueses saberem que nós estamos prevenidos. E que, se alguma coisa não correr bem, não vamos estar outra vez aflitos a contar os dias até vir um outro resgate. Temos o suficiente para proteger as famílias portuguesas dessa incerteza, dessa pressão financeira.

Houve neste mandato dois 'casos' que têm que ver consigo: o caso Tecnoforma e as dívidas à Segurança Social. Se pudesse refazer o passado, faria tudo como fez?

Parece uma pergunta simples, mas não é. Em primeiro lugar, seria absurdo dizer que faria tudo exactamente da mesma maneira. No que respeita à questão com a Segurança Social, respondi com total lisura e honestidade: não sabia que tinha aquela dívida e durante o período em que era suposto ter feito aqueles descontos julguei que eles eram opcionais e, portanto, não estaria obrigado a fazê-los. Claro que se tivesse pensado que me iria candidatar a primeiro-ministro e haveria toda esta polémica, era preferível inteirar-me de todas as condições para que nada disto tivesse ocorrido. Quem está na vida pública deve ter sempre a preocupação de não dar maus exemplos. Mas fiz na altura o que achei estar de acordo com o regime que vigorava e de acordo com as possibilidades que eu tinha, sabendo que me estava a prejudicar porque não estava a descontar para uma carreira contributiva e, portanto, não ia ter aqueles anos de descontos para uma pensão. Quanto à questão da Tecnoforma, o caso é muito diferente. Eu ainda não sei hoje o que é exactamente o caso Tecnoforma. Ele é às vezes utilizado para referenciar o que vai de mau no sistema político e económico, e apontado como um exemplo, a par de outros que estão a ser julgados nesta altura. Eu trabalhei na Tecnoforma como trabalhador independente, a recibos verdes, tinha um contrato de prestação de serviços, não era sócio da empresa, não era comissionista da empresa, nunca ganhei rigorosamente nada por a empresa trabalhar mais ou menos. Foi um trabalho que tive prazer em fazer e que acho que foi honesto e sério. Portanto, não vejo o que é que poderia ter feito de diferente. Os accionistas da Tecnoforma é que estarão se calhar arrependidos de eu ter lá trabalhado, porque a empresa praticamente é escorraçada em todo o lado, apontada como um péssimo exemplo, é 'a empresa do Passos Coelho' e, portanto, só pode ter mau aspecto e funcionar mal.

No caso BES partilha das críticas feitas pela comissão de inquérito ao governador Carlos Costa?

Tenho uma visão muito positiva do que foi o mandato do governador Carlos Costa. E julgo que, no caso do BES, o país lhe deve o facto de ele não ter fingido que não via o que se estava a passar e ter intervindo de forma a salvaguardar a estabilidade financeira. O governador tem uma equipa vasta no Banco de Portugal para desempenhar as suas funções, mas acho que lhe devemos a ele, à sua intervenção, ao seu nível de consciência, ter feito as perguntas que era preciso fazer, ter mandado as cartas que devia ter mandado – e que não era habitual fazer-se no Banco de Portugal. A ministra das Finanças disse na comissão que deve ter havido falhas na supervisão e auditoria. Se não houvesse falhas, não se teria chegado onde se chegou. Mas dito isto, não se deve inverter a ordem das responsabilidades. Não podemos responsabilizar o dispositivo de segurança pelo facto de alguém ter decidido cometer um crime… No caso do BES, creio que a responsabilidade foi bem apontada no relatório da Comissão de Inquérito. Teve como destinatária a administração do próprio banco, que o colocou em risco durante vários anos, sabemo-lo hoje.

O Governo vai reconduzir Carlos Costa?

É uma decisão que não está tomada. Já vi notícias de que o Governo tinha decidido não reconduzir o governador, e que havia já uma lista com vários nomes. Essa lista não existe. Ainda não falei com a ministra das Finanças sobre essa matéria, mas ela sabe que eu tenho uma visão muito positiva do mandato do actual governador, que não foi escolhido por nós, mas pelo anterior Governo, mas que nem por isso deixou de fazer um bom mandato.

Acha que deve haver uma lista de contribuintes VIP?

Julgo que o Estado, o Fisco, a Administração Tributária têm obrigação de proteger os dados fiscais dos contribuintes. Os contribuintes não estão todos em igualdade de circunstâncias. Vários deles suscitam uma curiosidade e um interesse maiores do que outros. Nesse sentido, uma lista ou um filtro para aqueles que estão numa primeira linha de exposição pode fazer sentido. Mas a discussão que se desenvolveu em torno da lista VIP foi outra: foi que o Governo pudesse estar a utilizar a máquina fiscal para se proteger a si próprio. Ora, convém recordar que tudo isto foi despoletado porque os dados fiscais do primeiro-ministro tinham sido expostos publicamente. E essa é a questão absurda. Ainda há dias verificámos que, quando a Comissão Nacional de Protecção de Dados fez o relatório da investigação, anexou no fim o número de identificação fiscal do primeiro-ministro, do Presidente da República e de outras entidades, publicando o resultado de audições internas que terão tido lugar dentro do próprio fisco e expondo aspectos que deveriam estar resguardados da praça pública. Isto parece um contra-senso. Nós precisamos realmente de assegurar a reserva da informação fiscal dos contribuintes. E é isso que espero que a administração fiscal possa fazer.

A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA

Parte 1: 'É verdade o que se diz no livro sobre o Verão de 2013'

Parte 2: ‘Tenho uma visão positiva do mandato de Carlos Costa’

Parte 3: ‘O PSD não deve usar Sócrates na campanha’

Parte 4: ‘Sem um Governo de maioria passaremos as passas do Algarve’