‘O corpo não tem idade’

“Nasci a 10 de Janeiro de 1924, sou uma Capricórnio pura. Isso significa que quando quero uma coisa vou até ao fim”. Ninguém duvida. Clotilde Morgado Ferreira, carinhosamente apelidada de Professora Clô, dá aulas de ioga há mais de 60 anos, 40 dos quais no Ginásio Clube Português, em Lisboa. Já formou 40 novos professores…

‘O corpo não tem idade’

A sua vida é, aliás, uma sucessão de desafios superados que Clô conta com um sorriso nos lábios. “Nasci em Olhão, mas quando tinha três anos fui viver para o Estoril. Entretanto o meu pai tinha ido para o Congo porque tinha lá uma plantação de palmeiral”. Aos nove anos, o pai disse-lhe que estava na altura de casar. “Aí propus-lhe um trato: não casava, ficava a estudar em Portugal e, enquanto  tivesse boas notas, ele pagava-me os estudos”. E assim foi. Só quando deflagrou a II Guerra Mundial na Europa se reuniu à família no Congo. “Levei um mês para lá chegar porque a fazenda ficava literalmente no meio do nada”. Mas mesmo antes desta aventura, precaveu-se. “Fui à Universidade em Leopoldville [hoje Kinshasa] e pedi que me enviassem matéria para eu estudar. Depois ia lá fazer os exames”.

Aos 19 anos chegou finalmente o casamento, com um belga descendente de portugueses. “Mandou-me uma carta a dizer ‘E se casássemos?’. Respondi-lhe: ‘E por que não?’”. Regressou à Europa, já casada, em Junho de 1945, apenas um mês depois do fim da guerra na Europa. “Por todo o lado se sentia o cheiro da morte”, lembra. É a primeira vez na conversa que os seus olhos azuis se acinzentam. Mas por pouco tempo. Lembra feliz o primeiro grupo de ioga a que se juntou na Bélgica, para onde foi viver. “Éramos uns 25, uns já tinham ido à Índia estudar ioga e estávamos fascinados por tudo aquilo”.

Os primeiros tempos foram de aprendizagem. Primeiro na Bélgica e depois em Portugal, para onde se mudou depois de ficar viúva. “Estava sozinha e tinha dois filhos pequenos, tinha que me virar”. E virou-se. Começou a ir às aulas da professora Maria Helena de Freitas Branco, a primeira de ioga em Portugal, que lhe disse que Clô iria ser uma grande professora. “Mas antes disso, sabia que tinha que estudar. Ia a Bruxelas e a Paris. Andava num vaivém. Num encontro em Zinal, na Suíça, conheci o meu mestre, Amrit Desai”. Através dele foi para os EUA fazer o mestrado em ioga. E, finalmente, em 1963, começou a dar aulas. “Era vista um bocadinho de lado. Mas não me importava nada com isso”. E porquê o ioga? “Porque tem grandes benefícios: promove o relaxamento, aumenta a força de vontade, melhora a energia. E tudo isto porque aprendemos a respirar”, assegura.

Quando começou a dar aulas nos anos 60, numa escola internacional em Lisboa, fez um estudo em que comparou crianças que tinham aulas de ioga com crianças que não tinham. “Havia uma diferença brutal entre os miúdos que faziam ioga: na concentração, na assimilação das matérias, na compreensão”. E acrescenta: “O meu ioga não é a loucura que se vê por aí. É um ioga de equilíbrio, cada um trabalha segundo as suas possibilidades e não tenta fazer loucuras porque o corpo não aguenta. Vou dizer a uma senhora de 80 anos para fazer uma loucura? Não posso”. Antes de prosseguir, segreda-nos: “Vou contar uma história: dois senhores vieram fazer a minha aula e viram só pessoas mais velhas, de 60 e 70 anos, mas viram-se tão aflitos para seguir a aula que nunca mais apareceram. Como está ver o corpo não tem idade, a mente é que sim”. E para garantir que a mente se mantém jovem, Clô tem alguns truques. Não come carne há mais de 40 anos, levanta-se sempre entre as 6h30 e as 7h da manhã, deita-se sempre cedo, faz ioga todos os dias e dá aulas três vezes por semana. Mas o mais importante, assegura, é “não guardar ressentimentos”.

patricia.cintra@sol.pt