Ao contrário da imprensa espanhola, francesa ou inglesa, onde os leitores escolhem os seus jornais sabendo ao que vão, em Portugal teima-se em simular uma neutralidade supostamente pluralista, que não passa de um verniz comprometido e estaladiço.
Sabe-se qual é a orientação ideológica de jornais como El País ou o ABC, Le Monde ou Le Figaro, The Guardian ou o Daily Telegraph, mas desconhece-se de que lado estão os nossos títulos de referência. Ou por outra: percebe-se que a sua inspiração é tributária das esquerdas, mas ninguém o assume, como lembrou, há dias, Helena Matos, num texto oportuno publicado no Observador.
Antes do 25 de Abril, os jornalistas que se opunham ao Regime – e seriam a maioria – treinavam nas entrelinhas, num exercício subliminar com os censores oficiais.
Grosso modo, os jornais dividiam-se em três grandes blocos: os generalistas, que se reclamavam politicamente neutros; os oficiosos, tutelados pelo Governo ou seus vassalos; e os da oposição, que publicavam o que podiam – e podiam pouco – onde pontificava o República, um velho resistente.
Tudo mudou no dia em que acabou a censura – um dia único, irrepetível, vivido com alegria intensa e aturdida por todos os profissionais que tinham abraçado o jornalismo com genuína vocação. Respirou-se o fascínio de escrever em liberdade. Mas foi sol de pouca dura.
No dia seguinte à 'Revolução dos Cravos', percebeu-se depressa que o Partido Comunista era a força política mais organizada, e que não brincava em serviço.
Subitamente, as redacções despertaram para plenários e saneamentos sumários. Os activistas apareciam, invariavelmente, subordinados ao PCP ou ligados à miríade de grupos de extrema esquerda.
Quem não pertencesse ou não se identificasse com tais 'clubes' era 'fascista' ou 'reaccionário', sem direito a contraditório.
Saramago, mais tarde Nobel, haveria de distinguir-se no DN na perseguição aos jornalistas que não dobrassem a cerviz aos novos mandamentos. E logo emergiram outras formas de censura, nem sequer dissimuladas. Estranhamente, algumas não se dissiparam até hoje.
Apesar da mudança geracional, mantém-se uma complexa malha de cumplicidades – que alastra quando se avizinham campanhas eleitorais -, com o objectivo escondido de alimentarem a ideia de uma esquerda vencedora e virtuosa. As sondagens constituem uma ferramenta dessa estratégia.
Repare-se, por exemplo, como a vitória do Syriza foi saudada, euforicamente, nas primeiras páginas dos principais diários portugueses.
Alguém desprevenido ou mal avisado, julgaria que o radical Tsipras teria descoberto a poção mágica, eliminando a austeridade e devolvendo aos gregos fartura e prosperidade. Uma nova alquimia.
Sabe-se hoje no que está a dar o bluff, onde embarcou um risonho e festivo António Costa.
Mais tarde, os mesmos jornais, confrontados com a maioria absoluta dos conservadores ingleses – à revelia das sondagens que tinham tomado por certas -, resolveram o assunto de uma forma expedita: escamotearam o acontecimento das capas, remetendo-o, subalternizado, para as páginas interiores.
E, no entanto, o sucesso dos tories, até por surgir em contra-corrente, só poderia merecer um destaque idêntico ou superior ao dos radicais gregos, esse, sim, esperado. Mas não foi o critério editorial que prevaleceu. A ideologia sobrepôs-se ao jornalismo.
A comparação das capas é, por isso, irresistível, como exemplo acabado de má prática jornalística.
Esconder o que 'não convém' é infantil, arruinando a credibilidade dos media, já muito abalada.
O êxito dos conservadores – apesar da austeridade -, chocou com o paradigma construído, laboriosamente, por quem sonha com uma maioria de esquerda nas próximas legislativas.
O volte-face inglês foi um balde de gelo, que veio questionar a lógica da doutrina anti-austeridade, que o líder da oposição não se cansa de apregoar, prometendo o que não pode, numa deriva em relação ao estudo encomendado a um luzido grupo de economistas.
E denunciou a hipocrisia de responsáveis editoriais, que, ao minimizarem o desfecho eleitoral no Reino Unido, provaram que usam dois pesos e duas medidas, consoante os votos favoreçam a esquerda ou a direita.
As consequências são perversas. O declínio das tiragens e vendas é uma das mais visíveis.
Mas não haja ilusões. Daqui até Outubro, vamos assistir a uma campanha alegre, com muitos golpes de teatro. As catapultas já estão alinhadas. Alvíssaras para quem tiver melhores munições…