Enriquecimento injustificado passou na Comissão. Passará no Constitucional?

A proposta de criminalização do enriquecimento injustificado apresentada pela maioria foi aprovada, esta quarta-feira em sede de comissão. Mas os socialistas antevêem que não venha a passar no crivo constitucional. 

O PS não acredita na solução jurídica encontrada por PSD e CDS para criminalizar o enriquecimento injustificado e fez questão de o deixar bem claro na reunião desta manhã, apesar de PSD e CDS continuarem a defender que a proposta resolve "todas as questões" legais que no passado levaram ao chumbo da lei do enriquecimento ilícito no Tribunal Constitucional.

"Não tem a mínima possibilidade de passar no crivo constitucional", considerou o deputado socialista Jorge Lacão, que está convencido de que a proposta da maioria "é uma bandeira, mas está longe de ser uma solução juridicamente eficaz".

"Estamos perante uma verdadeira inversão de ónus da prova", defendeu esta quarta-feira na Primeira Comissão, alertando para a "ineficácia" da solução encontrada já que há alguns bens de valor elevado que não estão sujeitos a qualquer tipo de declaração.

Lacão lembrou que "obras de arte e jóias" não são sujeitas a qualquer obrigatoriedade de declaração, explicando que o facto de a proposta de lei feita pela maioria assentar na criminalização das incongruências entre os bens que se detém e os que foram declarados constitui uma fragilidade da solução construída pela deputada do PSD Teresa Leal Coelho.

"A malha é tão larga que o peixe grosso passa por ela", atacou o socialista, criticando também o patamar  definido pela maioria para o montante a partir do qual se verifica o crime de enriquecimento injustificado.

Para Jorge Lacão, a solução não é eficaz porque o "peixe miúdo passa por baixo" graças ao limite de 175 mil euros que serve de patamar mínimo para a criminalizado.

De resto, Lacão tem dúvidas sobre as declarações que serão tidas em conta neste crime. Uma dúvida que não está respondida na proposta, que não contém uma lista exaustiva das declarações, com a maioria a limitar-se a declarar que são "todas", incluindo as fiscais e bancárias.

Graças a estas falhas, Lacão propôs aprovar a proposta da maioria e um segundo diploma para criminalizar os titulares de cargos públicos. Uma ideia que não foi aceite pela maioria.

O socialista atacou ainda os meios de prova excepcionais previstos na proposta da maioria – que incluem escutas ambientais -, considerando que podem levar a um "verdadeiro estado de sítio nacional".

As dúvidas e críticas levantadas por Jorge Lacão levaram mesmo o deputado centrista Telmo Correia a questionar se "o PS tem vontade de que haja qualquer crime de enriquecimento injustificado".

Continua o mau ambiente entre Negrão e Leal Coelho 

A reunião foi, mais uma vez, marcada por uma troca de galhardetes entre o presidente da Comissão, Fernando Negrão, e Teresa Leal Coelho, com Negrão a frisar que a deputada só poderia usar da palavra caso o aprovasse. "Tem a palavra se eu lha der", sublinhou, depois de Leal Coelho dizer "não abdicar" de falar.

Foi mais um episódio depois de Fernando Negrão ter, na semana passada, acusado Teresa Leal Coelho de "ter um problema com a realidade" por considerar que tinha ficado claro ter sido reprovada a constituição de um grupo se trabalho para tentar conciliar as propostas dos vários partidos.

Leal Coelho tinha dito que se opunha à criação do grupo de trabalho, mas Negrão decidiu constituir um, atribuindo a sua coordenação à deputada que entendeu por isso tratar-se de uma mera reflexão informal.

A diferença de entendimentos, fez com que na semanas passada tivesse ficado adiada para esta quarta-feira a votação das propostas, já que não tinha havido qualquer reunião do grupo de trabalho que Negrão considerava ter sido constituído.

Para resolver o problema sem protelar a votação, Leal Coelho acabou por marcar três reuniões abertas à comunicação social, a primeira das quais logo a seguir à reunião da comissão.

Propostas da oposição chumbadas 

Todas as propostas da oposição foram chumbadas.

A proposta do PS – votada por pontos -foi chumbada com os votos contra da maioria e as abstenções do PCP e BE.

A proposta do BE foi chumbada com os votos contra do PSD, CDS e PS e abstenção do PCP.

O projecto do PCP foi rejeitado com votos contra do PSD, CDS e PS e abstenção do PCP.

margarida.davim@sol.pt