Achas que sabes reunir?

Em Portugal, reúne-se. Profissional que é profissional, em Portugal, reúne muitíssimo. Reúne o mais que pode e só decide coisas reunindo, produzindo depois uma acta (hoje em dia sob a forma de email), que será tida em conta por todos os que estiveram presentes na reunião onde tudo foi decidido democraticamente, ao longo de várias…

Só reúne quem pode, não reúne quem quer. Porque reunir significa estar algures acima de quem não reúne, porque na reunião, lá está, decide-se, o que faz de quem não reúne um pobre diabo que só acata ordens. Por isso reunir, minha gente, é acima de tudo uma questão de estatuto: quanto mais se reúne, maior importância se tem. Em todo o lado. Quer no seio da empresa ou junto do grupo de amigos. Reunir é uma outra forma de estar na vida.

Tendo em conta que, pessoa que se preze, tem entre três a quatro reuniões por dia, estima-se que essa mesma pessoa tenha cerca de 60 reuniões por mês, o que significa que anualmente esse mesmo sujeito estará presente em cerca de sete centenas de reuniões, descontando já à partida as férias e o Verão. A conta certa para isto seriam 720 reuniões por ano. O que me parece serem imensas reuniões.

Mas que sumo retira o sujeito aqui evocado (nenhum em particular) dessas sete centenas de reuniões anuais que não tiraria de um par de emails ou até mesmo de um telefonema? Recentemente, e porque vejo tanta gente enleada em semanas que são novelos de reuniões, pus-me a pensar sobre o tempo que cada trabalhador investe nelas. Fiz assim algumas contas e reflexões, tirei umas notas, e percebi que uma reunião é, de facto, uma coisa importantíssima ao nível da resistência.

É tanto melhor quem consegue estar nestas reuniões todas e sair ileso, do que qualquer outra pessoa. Isto porque o debate conclusivo é cada vez menos fácil de encetar. À objectividade retira-se todo o mérito, porque a duração de uma reunião é directamente proporcional à sua importância, daí que reunir meia-hora seria ultrajante para qualquer trabalhador a quem foi dada a importância de reunir para depois reportar ao patrão. Ou ao chefe. Mas normalmente quem trabalha para um chefe tem o cenário um bocadinho pior e estou certa de que precisa sempre de reunir pelo menos uma hora e meia por reunião. Já quem reúne e reporta ao patrão, consegue fixar a barra na horinha.

Uma das partes mais importantes das reuniões hoje em dia, é aquela em que alguém aparece com os emails com o rodapé 'amigo do ambiente' todos impressos e com as passagens importantes sublinhadas com marcadores flúor, para conseguir referir datas e acordos (tudo o que está escrito, escrito está e é legalmente válido) que possam vir a ser importantes trazer para a sala de reuniões. É naturalmente essencial trazer estes assuntos bem estudados para apanhar seja quem for na curva, caso seja necessário. E é igualmente ou até talvez ainda mais importante apontar tudo aquilo que foi dito em reunião para compilar então a acta do nosso tempo, o email de sintetização e o resumo dos trabalhos até à próxima reunião, onde os resultados obtidos após a reunião anterior, e já partilhados no thread de emails encetado nesse seguimento, são apresentados ao vivo. Parece confuso? É só o procedimento habitual.

Reunir é um jogo desafiante. Implica uma boa dose de moderação nos variadíssimos campos da ficção laboral, um estudo aprofundado dos milhares de emails trocados desde o início do assunto em questão. Implica um aguçado sentido de oportunidade e uma capacidade de resistência enorme. Uma simples ida à casa de banho ou uma consulta ao telemóvel a meio de uma reunião pode ter consequências nefastas para o futuro dos trabalhos.

O reunidor deve ser, acima de tudo, alguém acordado, atento, calmo, não muito impositivo, sorridente, concordante e ordeiro. Deve ser organizado, saber fazer apresentações em PDF ou PowerPoint e, sobretudo, deve dominar a ligação entre o computador e o projector, perante os olhos atentos de quem lá está. Nunca deve beber água para não ter de ir à casa de banho e não deve nunca pegar no telemóvel. O reunidor ideal não fuma.

E tu, achas que sabes reunir?

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