Precisamos de um Presidente?

Somos um país de paradoxos. Conseguimos ser uma coisa e o seu contrário, deliciosa inconstância que nos fez inventar o fado tendo este Sol e uma luz de que poucos países no mundo se podem gabar. Quando falamos de Portugal dizemos ‘os portugueses’, raramente ‘nós, os portugueses’. Valorizamos as vitórias como se fossem eternas e…

Penso também nas presidenciais. Já não conseguimos fugir do assunto, um facto estranho tendo em conta que as legislativas são em Outubro e têm uma importância que não é comparável com a escolha de um inquilino para Belém. O que Cavaco Silva provou é que o país, o nosso regime, pode viver sem Presidente da República. Não por culpa exclusivamente de Cavaco – Portugal tornou-se europeu, institucionalizou-se num mundo globalizado, deixou de estar dependente de militares ou de constrangimentos constitucionais. 

O cargo de Presidente não tem a importância do passado. Ramalho Eanes foi fundamental na transição da revolução para a democracia; Mário Soares na transição de uma democracia ainda hesitante para um país europeu, moderno e claramente republicano; Jorge Sampaio na transição para um período de normalidade que, apesar do episódio com Santana Lopes, criou inadvertidamente as condições para que um dia se discuta a sério a continuidade deste modelo de regime. 

Talvez por isso as figuras com peso não avançaram. Deixaram-se ficar onde estão. António Guterres, Durão Barroso ou António Barreto preferiram caminhos que não passam por Belém. As presidenciais terão a tendência para se tornar uma espécie de Festival da Canção em que, como bem sabemos, as segundas escolhas tomaram as vezes das estrelas de antigamente. Não faço a mais pequena ideia de quem ganhou este ano, mas sou capaz de cantar de cor a Desfolhada, de Simone de Oliveira ou a Tourada, de Fernando Tordo. 

Vamos falar claro. Sampaio da Nóvoa ou Rui Rio não têm dimensão para serem Presidentes da República. Nem rasgo para dessa dimensão poderem prescindir. Não mobilizarão ninguém e tudo o resto que se possa dizer é apenas um desejo de que estejamos errados, um palpite, uma utopia que se pode concretizar ou não. Nóvoa pode transformar a política num poema e Rui Rio vir a ser um novo Sidónio Pais. A esquerda amante de Sartre ou a direita ultramontana ficariam satisfeitas com isso. Mas sejamos justos. Os portugueses têm uma outra particularidade, desconfiam do que é barato – numa prateleira de vinhos do Continente ou do Pingo Doce, as garrafas mais caras vendem melhor do que as mais baratas, mesmo os mais pobres ligam a qualidade ao preço, uma injustiça. E, tal como ele está, preferem ver qualquer coisa ao Festival da Canção.