‘Hoje não sairia vivo da Indonésia’

O Olhar do Silêncio é a segunda missão impossível do realizador norte-americano Joshua Oppenheimer na Indonésia: filmar um sobrevivente do massacre de 1965 em diálogo com perpetradores, ainda hoje no poder.

A maior parte deste filme foi rodada depois da montagem de ‘O Acto de Matar’ terminar mas antes da sua estreia. Sabia que depois disso não poderia voltar à Indonésia.

Disponibilizámos gratuitamente o primeiro filme na internet e isso catalisou uma transformação na forma como o país fala do seu passado. Antes os media falavam de exterminação heróica da esquerda indonésia e agora falam de um crime de genocídio contra a humanidade e, mais importante, sobre os efeitos no presente desse massacre. O Olhar do Silêncio foi oficialmente distribuído pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos, que faz parte do Governo, ou seja, algo de inimaginável e que nunca teria acontecido sem o trabalho feito pelo primeiro. Pusemos cartazes para a primeira exibição e aparecem três mil pessoas. O Adi Rukun (protagonista sobrevivente) estava presente e recebeu uma ovação de 15 minutos de pé. Os media locais consideraram-no o filme do ano na Indonésia. E, no entanto, o governo sombra da Polícia Paramilitar, que permite os seus guardas viverem numa imensa corrupção, brutalidade e intimidação, odeia-me. Recebo regularmente ameaças de morte através das redes sociais. Hoje conseguiria entrar na Indonésia, mas não sairia de lá vivo.

Acredita num cinema de combate político?

Ao funcionar como um espelho, o cinema pode abrir caminho para o activismo. Torna-se na criança de O Rei Vai Nu, a apontar para a realidade que toda a gente sabia que existia mas sobre a qual tinham medo de falar ao ponto de se acreditar numa fantasia. As pessoas dizem que estes dois filmes puxam para trás a cortina e revelam o pesadelo de que ninguém sabia. Esse seria o papel de um jornalista. Eu mostro que a cortina é o pesadelo. Isto não significa que o cinema não entretenha. Django Libertado ou O Lobo de Wall Street entretêm ao mesmo tempo que nos confrontam com aspectos que têm que ver com o que significa ser humano.

Como assegurou a segurança de Adi durante e depois das filmagens?

Disse aos perpetradores: “Estou de volta, trago um amigo e desta vez queria ver como os dois discutem estas coisas. Como um agradecimento à sua disponibilidade, o Adi, que é optometrista, vai testar os seus olhos e oferecer-lhe óculos caso precise deles”. Montámos uma equipa de 25 pessoas que trabalharam durante um ano para assegurar que depois o Adi e a família mudassem de casa para outra zona da Indonésia num ambiente seguro em que a mudança fosse para melhor. Ele é visto como um herói nacional e tem um papel central a representar no movimento pela verdadeira reconciliação.

Em Portugal, ‘O Acto de Matar’ teve estreia próxima de ‘A Imagem que Falta’, do cambojano Rithy Panh, que diz que se encontrasse as fotografias das execuções do Khmer Vermelho jamais as mostraria. Como delimita a sua ética?

No S-24, que é uma obra-prima, o Rithy filma uma reconstituição, os testemunhos são sóbrios. O meu material é de performance: como querem os perpetradores ser vistos, ver-se a si próprios, como realmente se vêem? Há uma grande diferença entre fazer-se um filme sobre o passado e outro, que é o meu caso, sobre o presente. Um presente onde estás condenado a viver no medo sendo que isso não é senão a continuação do genocídio. Estou sempre a tomar decisões éticas, e naqueles momentos em que os perpetradores me pedem para desligar a câmara eu pergunto-me: “Faço o que ele me pede ou tenho uma obrigação maior?”.