‘Pagar mais pelo BPN é irrealista’

O Banco Português de Negócios (BPN), nacionalizado em Novembro de 2008, está nas mãos do Banco BIC desde Junho de 2012. Três anos depois, Luís Mira Amaral rejeita pagar mais um cêntimo pela compra da instituição. “É irrealista pagar mais pelo BPN”, revela o presidente do banco de capitais luso-angolanos, em entrevista ao SOL.

‘Pagar mais pelo BPN é irrealista’

O Estado pretendia encaixar mais do que os 40 milhões de euros pagos inicialmente pelo BIC. No contrato assinado com as Finanças, o BIC comprometeu-se a um pagamento adicional caso tivesse um lucro acumulado superior a 60 milhões de euros, ao fim de cinco anos após a data da celebração do contrato.

A dois anos de se esgotar o prazo definido, os resultados do BIC estão muito longe de atingir esse patamar. Mira Amaral considera “improvável” atingir aquele patamar e apresenta dois argumentos para descartar qualquer pagamento adicional pelo BPN. Por um lado, o fraco crescimento da economia portuguesa penalizou a actividade bancária e impediu os bancos de registarem um desempenho positivo. Por outro, o Estado já recebeu mais do que era suposto.

“O acordo previa que o Banco BIC assegurasse a integração de um mínimo de 750 trabalhadores do BPN e nós ficámos com 1.200 colaboradores. O Estado teria pago mais em indemnizações. As Finanças devem estar satisfeitas, já que desembolsaram muito menos do que estavam à espera. Por isso, e como na vida não se pode ter tudo, um valor já compensou o outro”.

Contas positivas

O presidente da instituição confessa que a aquisição do BPN foi uma missão de tal forma complexa que até lhe valeu um esgotamento cerebral. “Comprámos um banco numa situação muito difícil, mas apesar de tudo já estamos a registar lucros, quando os outros bancos ainda têm prejuízos. Executei a decisão dos meus accionistas e, neste momento, a digestão do BPN está feita”.

Em 2012, o grupo luso-angolano registou um prejuízo de 7,96 milhões de euros. Em 2013, a instituição inverteu os resultados e lucrou 2,5 milhões de euros. Já no ano passado, a exposição a empresas do Grupo Espírito Santo penalizou as contas e fixou o lucro em apenas 1,1 milhões de euros. Assim, desde a compra, o BIC soma apenas 3,6 milhões de euros de lucro.

“Este ano, estamos a ganhar cerca de um milhão de euros mensais. Os resultados são positivos, embora não são sejam ainda aqueles que ambicionamos”, adianta.

O BIC não assume o papel de devedor do Estado, mas de credor. Na conversa com o SOL, o banqueiro sublinha que há vários assuntos pendentes relativos à aquisição do BPN, sobre os quais não foi possível chegar a um acordo com o Estado. Para resolver as divergências está já criada uma comissão arbitral, um mecanismo de resolução de litígios previsto no contrato assinado entre o BIC e o Estado. “Devem-nos dinheiro. Há verbas que o BIC entende que o Estado deve pagar. Perante a recusa das Finanças, a comissão arbitral decidirá quem tem razão”, explica.

Entre os assuntos pendentes está a devolução de créditos em incumprimento que passaram para o balanço do BIC, mas que o banco luso-angolano entende que deveriam ter ficado na esfera estatal – como ficaram outros créditos de cobrança duvidosa. O BIC queixa-se de ter recebido “informação incompleta”.

52 milhões por receber

O gestor não quis revelar qual o montante em causa nos diferendos com o Estado, mas frisou que tem “relevância material”.

O relatório e contas do BIC permite ter uma noção da dívida do Estado. O BIC “tem 52 milhões de euros a receber de entidades controladas pelo Estado, no âmbito do acordo-quadro e do contrato de compra e venda”. Apesar de ser um valor elevado e superior ao montante pago pelo BPN, a verdade é que esta verba já foi bem superior. Em 2013, o BIC reclamava 115 milhões de euros junto do Estado.

O acordo assinado com o Estado prevê que o banco de capitais luso-angolanos assuma o pagamento dos montantes reclamados judicialmente por clientes, credores ou ex-colaboradores sobre o ex-BPN, enviando depois as facturas para o Tesouro, que lhe deverá restituir as verbas em causa. “A resolução destas questões tem sido pacífica. O Tesouro tem pago os valores em dívida, embora às vezes com um atraso. Mas compreendemos a dificuldade do Estado”.

O SOL pediu esclarecimentos ao Ministério das Finanças, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.

Maria Luís Albuquerque chegou a revelar publicamente que o contrato de venda do BPN ao BIC previa 158 milhões de euros para responsabilidades contigentes. Já no Orçamento do Estado para este ano foram inscritas despesas com a reprivatização do BPN no valor de 28,5 milhões de euros, mais 87,5% face a 2014.

Gestão da CGD criticada

Mira Amaral refuta a ideia de que a aquisição do BPN tenha sido vantajosa para o BIC. “Dizem que foi um óptimo negócio, mas é mentira. Pagámos mais do que deveríamos ter pago face ao estado em que recebemos o BPN. Era um banco parado no tempo, com pessoas totalmente desmotivadas e sistemas de informação de 2003”. E aponta responsáveis: “Já todos percebemos como funcionou a gestão de Oliveira Costa, mas ainda está por contar a história sobre a forma como a Caixa Geral de Depósitos delapidou o valor do BPN”.

O BPN foi nacionalizado em Novembro de 2008, na sequência de perdas acumuladas pelo banco e ausência de liquidez. A iminência de uma ruptura de pagamentos ameaçava as poupanças dos depositantes e, no entendimento do Governo de então, a estabilidade do sistema financeiro.

O universo BIC teve a sua origem em Angola em 2005, expandindo-se para Portugal em 2008. Actualmente, encontra-se a ultimar a abertura de um banco comercial na Namíbia, estando planeado abrir um banco comercial na China e começar operações no Zimbabué, na Zâmbia e nos dois Congos.

Mira Amaral comemora 70 anos em Dezembro, numa altura em que termina o segundo mandato à frente do BIC. Numa entrevista recente ao Expresso, o gestor assumiu estar disponível para sair. “É útil e sábio que os meus accionistas comecem a pensar num plano de sucessão”.

sandra.a.simoes@sol.pt