Você gosta de poesia?

     

A pergunta foi disparada à queima-roupa. Estava a subir o Chiado, em direcção a uma das livrarias onde costumo pôr-me a par das novidades editoriais, quando dei por alguém a aproximar-se demasiado. “Você gosta de poesia?”, perguntou a senhora, de olhos vagamente esbugalhados. Fiquei tão desconcertado que tive de pedir-lhe que repetisse a pergunta. “Você gosta de poesia?”, voltou ela. A entoação que dava às palavras deixava implícito que das duas uma: ou eu gostava de poesia – e nesse caso tinha todo o interesse em ver aquilo que tinha para me mostrar; ou não gostava de poesia – e era simplesmente um bronco. Na dúvida, não quis passar por bronco e respondi-lhe que sim, que gostava de poesia.

Tanto quanto julgo saber, a poesia nasceu como uma forma de linguagem sagrada, transmitida por sacerdotes ou feiticeiros. Tratava-se de um território de intersecção entre o humano e o divino e, como tal, não precisava de obedecer às regras da linguagem comum. Regia-se por códigos próprios e podia surgir sob a forma de palavras estranhas, enigmáticas, misteriosas, cujo significado só estava ao alcance de alguns.

 Mais tarde, quando os livros ainda eram bens escassos e preciosos, a poesia foi usada como veículo para transmitir conhecimentos, histórias e feitos que mereciam ser recordados. A rima desempenhou aí um papel importante, pois tornava mais fácil a tarefa de memorizar tudo.

Com a democratização – para não dizer ditadura – do livro, aos poucos e poucos a rima foi perdendo terreno. E utilidade. As histórias e grandes feitos já não eram transmitidos pela via oral, mas sim através de páginas impressas. Os escritores mais ousados deixaram de recorrer à rima, que passou a ser considerada um artifício antiquado e inútil.

 Regresso à senhora do Chiado. Face à minha resposta, passou-me para a mão um livro de poemas da sua autoria. Ao lê-los, confirmei uma convicção que venho formando há algum tempo: há quem acredite ingenuamente que basta quebrar as boas regras da escrita, alterar a ordem natural das palavras ou usar palavrões complicadíssimos para obter poesia.

Ora, a poesia – a boa poesia – a meu ver não é nada disso. O seu propósito não é ocultar, mas sim trazer para a luz do dia. Não é usar palavras difíceis, mas sim colocar ao alcance de todos o que antes estava inacessível. Não é complicar, mas sim revelar verdades profundas.

Há quem tenha um certo fascínio por aquilo que não compreende. Não é o meu caso. Podem considerar-me um simplório, mas prefiro a poesia simples, acessível, que me leva a dizer 'é mesmo isto'. Quanto aos outros – aos que a vêem como uma arte difícil, destinada a um punhado de eleitos – têm todo o direito à sua opinião. Mas não estou assim tão certo de que gostem realmente de poesia.