Um novo Mandela?

Vários colunistas – entre os quais Inês Pedrosa e Fernando Madrinha, aqui no SOL – consideraram um acto de coragem o facto de Sócrates ter recusado ir para casa com pulseira electrónica, preferindo ficar em prisão preventiva.  

É uma interpretação legítima.

Mas não é a minha.

Essa recusa, a meu ver, denuncia um estado de perturbação.

Sócrates, na sua megalomania, considera-se um preso político, e como tal só aceita a libertação incondicional.

O ex-primeiro-ministro acha-se uma espécie de Mandela, que ao sair da prisão será levado em ombros e aclamado pelo povo – podendo voltar rapidamente ao poder.

Já várias vezes comparei Sócrates a Vale e Azevedo, que ainda hoje, após sucessivas condenações, continua a dizer-se inocente.

E se calhar acredita nisso: acha que não fez nada de condenável.

Ora, admito que José Sócrates sofra do mesmo mal e se tenha convencido mesmo da sua inocência.

Sócrates arranjou um esquema engenhoso para conseguir grandes somas de dinheiro.

Joaquim Barroca, administrador do Grupo Lena, o primo José Paulo, o empresário Hélder Bataglia e a própria mãe (através da venda de prédios) alimentavam uma conta bancária em nome do amigo Carlos Santos Silva.

Depois, Sócrates servia-se do dinheiro da conta a seu bel-prazer.

Até aqui nada havia de ilegal. Os depósitos na conta de Santos Silva eram feitos legalmente – e não é crime alguém receber dinheiro de um amigo. 

José Sócrates julgava-se, portanto, ao abrigo da Justiça – e continua a achar que a Polícia não tem nada que ver com o assunto.

Considera que a relação financeira entre ele e o amigo é uma questão privada, que só aos dois diz respeito.

Em abstracto, esta ideia é aceitável.

Mas há que perceber o seguinte: uma coisa é pedir mil ou mesmo dez mil euros emprestados a um amigo num momento de aflição – outra, muito diferente, é dizer ao amigo num dia para lhe mandar 10 mil euros, dois dias depois para lhe mandar 5 mil, passada uma semana para lhe mandar 25 mil e assim por diante. E, depois, ir passar férias de luxo a Formentera.

Isto é inverosímil.

Mesmo a um irmão, se eu pedir dinheiro emprestado dou uma explicação – e depois não vou derreter esse dinheiro em gastos sumptuários.

Além de que, se alguém for apanhado a fazer elevados movimentos de dinheiro sem justificação plausível, tem de prestar contas à Justiça.

Outra questão que os defensores de Sócrates invocam diz respeito à acção dos juízes. 

Argumenta-se que Ricardo Salgado, Oliveira Costa, João Rendeiro, etc. andam por aí em liberdade, enquanto Sócrates está preso.

É um argumento que faz pensar.

Mas creio que a personalidade de Sócrates e a perturbação de que dá mostras não serão estranhas ao facto.
Enquanto os arguidos nos processos de colarinho branco se têm comportado com relativa discrição, Sócrates tem pintado a manta: escreve cartas da prisão, insulta os juízes e provoca-os, responde torto nos interrogatórios, chama jornalistas para o entrevistarem na prisão, etc.

Já não falando das manifestações à porta do Estabelecimento Prisional de Évora, de que ele não tem culpa mas que não podem ser esquecidas.

A verdade é que, por via da sua actuação e da atitude dos que o defendem, advogados incluídos, José Sócrates tem dado todos os argumentos aos juízes para o considerarem um indivíduo perigoso, um elemento altamente perturbador, capaz de agitar as águas e baralhar a investigação.

Sendo certo que tem sido tratado de forma diferente, não é menos certo que tem feito tudo para se apresentar como um preso diferente.

Sócrates é um megalómano obstinado que só aceita a libertação incondicional – e os juízes perceberam que estão diante de um caso especial que exige um tratamento especial. 

Mas, sendo compreensível que Sócrates, no estado emocional em que se encontra, se ache um mártir,  já é menos explicável que alguém o considere um preso político.

Preso político?

Os presos políticos, em geral, são pessoas que têm uma vida austera e se sacrificam por uma causa. 

Ora, Sócrates estava nos antípodas: vivia faustosamente com dinheiro que não era seu.

jas@sol.pt