O que nos dizem os cartazes?

Oslogan dos cartazes do  PSD, «Acima de tudo Portugal», é a tradução do infaustamente célebre slogan nazi ‘Deutschland Über Alles’ (A Alemanha acima de tudo).   

O que nos dizem os cartazes?

Acredito que a citação tenha sido involuntária – a memória, o profissionalismo e o saber já tiveram melhores dias, apesar do Google… ou também por culpa dele – mas isso não a torna menos grave: passaram apenas setenta anos sobre o fim da abjecção nazi, e a letargia democrática tem crescido a níveis preocupantes desde que os políticos deixaram de ser delegados do povo para se tornaram mandaretes do capital apátrida.

Nesse aspecto, Marx acertou. Não há rostos, nenhum par de olhos nos fita neste cartaz: o movimento em prol da grandeza pátria apaga qualquer individualidade, convertendo os indivíduos em massa sacrificada e capaz de tudo sacrificar. 

Assim agem os totalitarismos: rasurando o contorno singular de cada corpo e cada olhar, apagando qualquer rasto de ideologia ou de pensamento, criando uma onda irracional que avança de palavra de ordem em palavra de ordem, desligada de qualquer conceito de legalidade ou justiça, culpa ou inocência. 

Combater a apatia democrática através de slogans enfunados pelo puro vento do patriotismo não dá bom resultado. Pelo menos isso a História já nos demonstrou.

A modorra assolou também o primeiro cartaz de António Costa: uma fotografia fraquinha do próprio, acompanhada pela frase: «Trabalhar com rigor para as pessoas». 

Rigor tem sido a palavra mais usada pelo actual Governo, criador da narrativa do país naufragado pela balda egoísta e tresloucada do Governo anterior. 

O PS preferiu não contestar esta narrativa, contrapondo-lhe sempre e só um discurso de futuro. Os custos desta opção são visíveis nas sondagens que o revelam empatado com o governo, depois dos anos de sacrifício extremo que os portugueses têm atravessado. Ou seja: a história dos piratas maus que fizeram naufragar o país e dos soldados bons que o vieram salvar fez o seu caminho. 

Se o PS optou por acatar em silêncio esta versão a preto e branco da História, sem sequer evocar o testemunho divergente da própria Angela Merkel (que lamentou que o PEC IV tivesse sido vetado em Portugal, levando à intervenção da troika), não é agora que conseguirá pintar-lhe as cores – e menos ainda com cores tão dissonantes e perecíveis como o vermelho e o amarelo. 

O 'rigor' já foi arrematado pela direita. O 'trabalho' também – um verbo que Passos Coelho usa continuamente para fazer esmorecer o impacto do desemprego. Acresce que o 'o' de rigor desaparece ao fim do primeiro dia de sol. O tipo de letra é rebuscado e difícil. E 'as pessoas' estão fartinhas de promessas e de palavras redondas. 

Os cartazes da CDU são, como sempre, simples, enérgicos e eficazes: a imagem de uma manifestação popular e, num lettering afirmativo e directo, os dizeres: «A força do povo – soluções para um Portugal com Futuro». 

O PCP tem um longo historial de resistência e propaganda que faz com que evite o devaneio presunçoso de tentar inventar a roda: o povo é o povo – aliás, o desemprego e a crise trouxeram muito burguês para o povo -, e o que é preciso é dizer-lhe que há soluções concretas para lhe melhorar a vida e lhe dar mais força. Elementar e persuasivo. 

O Bloco de Esquerda optou por uma palavra que os movimentos cívicos, espanhóis resgataram à direita: 'dignidade'. 

Aguardamos as campanhas dos novos partidos de esquerda, e da coligação de direita agora baptizada 'Portugal à Frente' (anagrama fruste do antigo 'Prá Frente Portugal'). 

Isto não está entusiasmante. Mas será que os cartazes ainda arrancam votos? Se ao menos nos animassem… Mas quase nunca é o caso. 

inespedrosa.sol@gmail.com