Tribunal de Contas detecta irregularidades e ‘falta de transparência’ nas privatizações de EDP e REN

O Tribunal de Contas (TdC) encontrou “falta de transparência” e falhas de procedimentos da Parpública nas privatizações da EDP e da REN em 2011 e 2012, numa auditoria revelada ontem.

No capítulo da assessoria financeira das duas operações de venda, o TdC considera que a empresa pública que conduziu os processos não acautelou devidamente a ocorrência de conflitos de interesse. Segundo o TdC, a Parpública "não assegurou que os consultores financeiros (seja para a avaliação prévia ou a assessoria no decurso do processo de venda) ficassem impedidos de assessorar posteriormente os potenciais investidores, no mesmo processo".

Isso veio a acontecer com a contratação do BESI no processo de privatização da EDP e da REN, em "incumprimento das orientações da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças em matéria de contratação de consultadoria técnica". Este banco de investimento prestou serviços de consultoria financeira ao Estado, como avaliador, e posteriormente como consultor financeiro dos investidores que compraram as companhias eléctricas: China Three Gorges e State Grid/Oman Oil.

A nível de consultoria, o envolvimento da Perella a assessorar o Estado em parceria com a Caixa BI é também alvo de fortes críticas (ler texto autónomo a partir de link no final do texto).

Já a não publicitação dos contratos no portal, por parte da Parpública – a empresa alega que não está sujeita ao Código dos Contratos Públicos – evidencia "falta de transparência por parte da empresa em matéria de contratação de consultores externos associados aos processos de privatização".

Interesse estratégico não foi acautelado

Quanto à garantia de protecção dos activos estratégicos do país, o Tribunal também tem críticas. O governo deveria ter estabelecido um regime extraordinário para a salvaguarda de activos estratégicos até ao dia 13 de dezembro de 2011, depois da aprovação das duas privatizações, mas esse diploma só viu a luz do dia quase três anos depois.

Embora o decreto de privatização da EDP e da REN e o acordo de venda e de parceria estratégica contivessem referências à salvaguarda do interesse nacional, “não foi prevista qualquer cláusula de penalização para o seu incumprimento, pelo que, nestes dois processos, não foram tomadas medidas legislativas que acautelassem os interesses estratégicos do Estado Português após a conclusão do processo de privatização”, frisa a auditoria.

Mesmo depois de aprovado o diploma com a salvaguarda dos interesses estratégicos, o TdC verificou que, com base nos estudos jurídicos feitos durante a privatizações, “a generalidade dos regimes em vigor nos países europeus dispõe de medidas que visam assegurar que, nos sectores considerados de importância estratégica, são adequadamente acautelados os interesses e a segurança nacionais”.

Contudo, dizem os juízes, “a postura do Estado Português revela-se menos adequada, quando comparada com a de alguns dos países europeus que protegem claramente os seus activos estratégicos”. Alguns destes países asseguram aqueles activos através da fixação de limites na aquisição de activos estratégicos por entidades estrangeiras que não integram o espaço europeu, como Alemanha, Áustria e Finlândia. Outros têm um controlo reforçado através de poderes especiais como “golden shares” – casos da Bélgica, França, Polónia e Itália. Na Islândia e na Lituânia, a maior parte do capital das empresas estratégicas é do Estado.

joao.madeira@sol.pt

O amigo de Vítor Gaspar e os 10 milhões da privatização da EDP