O equívoco europeu da Grécia

Vítor Bento disse que a discussão sobre a Grécia está demasiado centrada na dívida, quando é mais importante a debilidade da sua economia, que não é competitiva nesta era de globalização. Tem razão; mas eu acrescentaria uma falha porventura ainda mais grave na Grécia: a ausência de um Estado digno desse nome.  

O Estado grego é incapaz de cobrar uma receita fiscal razoável; a fuga aos impostos é generalizada. Aliás, os grandes armadores navais (como era Onassis) praticamente não pagam impostos… 

A política grega foi durante décadas comandada por duas dinastias familiares: Papandreou e Karamanlis. O Syriza quebrou essa tradição, mas não teve força, ou vontade, para se impor aos interesses que capturaram o aparelho estatal. O clientelismo não diminuiu.

Em Outubro de 2009 George Papandreou, líder do Pasok (partido socialista), tornou-se primeiro-ministro, após vencer nas eleições a Nova Democracia de Kostas Karamanlis (centro-direita). Descobriu, então, que as contas públicas estavam falseadas pelo anterior governo. O défice orçamental era mais do dobro do que se julgava.

Seguiu-se o primeiro pedido de assistência aos parceiros da Zona Euro. A resposta demorou eternidades, por causa das hesitações alemãs e porque nada estava previsto na deficiente arquitectura do euro para enfrentar crises destas. 

E o que veio foi mais um programa punitivo do que uma real ajuda à Grécia, cujo PIB caiu um quarto. Também é verdade que a despesa pública grega era absurda: as pensões absorviam 16% do PIB, contra, por exemplo, 7% na Holanda. Em 2012, houve segundo resgate e um perdão de grande parte da dívida grega detida por privados (entre os quais bancos portugueses).

Contra a austeridade, que dizimou eleitoralmente o Pasok, posicionou-se o novo líder da Nova Democracia, Antonis Samaras. Tal não o impediu, quando se tornou primeiro-ministro, de seguir uma política semelhante à dos seus antecessores, até ser derrotado pelo Syriza em Janeiro de 2015. 

O Syriza é uma federação de partidos de extrema-esquerda, vários deles contrários à UE, ao euro e à NATO. O governo de Tsipras, líder do Syriza, inclui também ministros de um partido de extrema-direita, nada europeísta. E chegou ao poder fazendo promessas eleitorais mirabolantes.

A estratégia provocatória usada pelo novo governo de Atenas face aos credores (que são a parte forte do confronto) até levou alguns a supor que romper com o euro e a UE teria sido o objectivo oculto do Syriza. Seja como for, Tsipras ficou entalado entre a ala mais radical do Syriza e a vontade da maioria dos gregos de permanecerem no euro. O Syriza e o seu governo levaram ao extremo a falta de um Estado minimamente eficaz, que vinha do passado.

A Grécia entrou na CEE em 1981, cinco anos antes de Portugal e Espanha, graças à amizade entre o então Presidente francês Giscard d'Estaing e Konstatinos Karamanlis, na altura primeiro-ministro grego. Durante as negociações portuguesas para aderir à CEE mais de uma vez ouvi responsáveis comunitários manifestarem o receio de que os portugueses se comportassem na CEE de modo tão negativo como os gregos. Felizmente para Portugal, tal não aconteceu. Como, depois, não seguimos o caminho da Grécia, contra o que tantos previram.

A Grécia não devia ter entrado na CEE nem no euro. Um equívoco com um alto custo.