Sistema favorece burla nas receitas

Um médico, um delegado de informação médica e uma farmacêutica, todos de Santarém, montaram um esquema que permitiu desviar mais de 166 mil euros dos cofres do Estado, entre 2010 e 2013. E, segundo a acusação do Ministério Público (MP), nem precisaram de arquitectar  grandes planos, apenas exploraram as fragilidades do sistema de receituário, que…

A estratégia de José Mateus e de Maria Mateus passava por organizar listas, com nomes de doentes preferenciais e medicamentos com elevada comparticipação (entre 69% e 100%), que eram entregues ao médico António Bispo Maia, que conheciam há pelo menos 25 anos. Ao clínico cabia apenas a tarefa de passar as receitas. “Em troca, o médico recebia, em regra, 300 euros por cada lista de 40 ou 50 receitas que passava, nos termos solicitados pelos demais arguidos”, refere a acusação que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal acaba de deduzir e a que o SOL teve acesso.

O “aviamento de tais receitas médicas na farmácia Mateus, propriedade da arguida Maria José Mateus acontecia sem que houvesse lugar a dispensa efectiva dos medicamentos”, refere-se. Os investigadores descobriram ainda que o esquema não terminava com o recebimento do valor correspondente à comparticipação, que era feita pela Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo: os medicamentos eram escoados, “através da sua troca ou revenda directa ou indirecta a outras farmácias ou armazenistas”. 

Durante a investigação, António Bispo Maia foi o segundo maior prescritor da farmácia Mateus. E, dos “10 principais medicamentos prescritos pelo arguido, cinco têm uma taxa de comparticipação superior a 90%:  Eucreas 100mg e 850mg, Januvia, Janumet e Lyrica” (todos para a diabetes e o último para a epilepsia). Muitas das receitas eram para doentes que “não são seus pacientes, nem nunca foram consultados por ele”.

Entre os nomes de doentes que mais se destacam nas receitas em causa surge José Mateus, delegado de informação médica: entre Março de 2011 e Novembro de 2012, as receitas em nome deste arguido levaram a uma comparticipação do Serviço Nacional de Saúde de cerca de dois mil euros.

Os três arguidos e a Farmácia Mateus, em Santarém,  estão acusados de falsificação e burla qualificada. Sobre o médico recaem ainda outros dois crimes: uso e passagem de atestados falsos. 

Deficiências no controlo

O valor das comparticipações foi sendo pago à farmácia, uma vez que “os funcionários da ARS de Lisboa e Vale do Tejo estavam convictos de que os medicamentos haviam sido efectivamente prescritos aos utentes”.   Mas o MP lança duras críticas ao sistema de conferência de facturas, responsável por receber as facturas e apurar o valor devido pelo SNS às farmácias, sobretudo por não fazer o cruzamento de dados.

Entre as fragilidades apontadas, é referida a impossibilidade de confirmar se “os utentes já tinham falecido à data do aviamento do respectivo receituário” ou mesmo de assegurar que “os médicos identificados nas receitas estão efectivamente inscritos na Ordem dos Médicos”.

350 milhões desde 2012

Nos últimos três anos, as fraudes ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) lesaram os cofres do Estado em 350 milhões de euros. Em causa estão 275 casos, segundo avançou no Parlamento o ministro da Saúde, Paulo Macedo. Mas, como ainda faltam os julgamentos, o valor apurado pelas diversas investigações pode ser ainda maior. Macedo tem feito do combate à fraude uma das prioridades do seu ministério. Esta semana, por exemplo, foram detidas outras duas farmacêuticas também por suspeitas de burla. A investigação acredita que ambas terão lesado o SNS em mais de 100 mil euros. Depois de levadas a primeiro interrogatório judicial, uma ficou em prisão preventiva. 

carlos.santos@sol.pt