Diferenças de estado

No passado dia 18, na festa de encerramento do ciclo de programação Gender Trouble, levado a cabo pelo Teatro Maria Matos, em Lisboa, a organização Mente juntou-se à festa e no Lux dedicou-se uma noite a performances de artistas de alguma forma integrados no conceito. O Mente convida os artistas, os artistas aceitam e as…

No passado dia 18 a estrela maior da noite foi a Simone de Oliveira. A nossa Diva, o nosso ícone maior e mais clássico e mais punk esteve ali a actuar às três da manhã para uma quantidade imensa de jovens que lhe gritavam piropos e cantavam em uníssono "A Desfolhada". 

Pensei que vê-la actuar ali, no meio daquelas pessoas, só fazia sentido e que aquilo foi provavelmente uma daquelas experiências religiosas que jamais terei hipótese de repetir. A Simone de Oliveira é a mais cool de sempre, responde e conversa e está ali no palco, como em casa. Está ali a ser, plácida.

No mesmo dia era lançado o novo vídeo de uma Diva mais global, Madonna. 

E se quando uma vez falei dela e um amigo me disse que a Madonna (sim, ele é mesmo amigo dela) era mesmo assim, muito divertida e cool e super boa onda, não acreditei, era porque de facto essas coisas não lhe saíam lá muito bem. 

Madonna não tem sido muito feliz nesta nova era dos social media e da pessoalização da figura do emissor, talvez porque é assim uma espécie de fruto da última geração das Grandes. Madonna isolou-se à frente, foi a camisola amarela da Pop até perder o comboio e ser mais interessante no passado que no seu presente produtivo. Faltava-lhe aquela verve rebelde e doida e fémina e libertadora e perigosa que é a sua imagem de marca. Parecia que à Madonna faltava a Madonna. 

Ao contrário da Simone, que conseguia mesmo antes de dia 18, identificar com uma entertainer cheia das qualidades que queremos ver em alguém que é uma lenda viva, à Madonna nunca fui assim muito capaz de atribuir essas coisas. Via-a muito ocupada com o ioga e as coreografias e pouco preocupada com a Madonna. Se calhar a Madonna precisou de por a Madonna a descansar.

Só que a Madonna já dormiu a sesta e cuidado com ela! 

No seu novo vídeo – Bitch, I'm Madonna – a Senhora Dona Madonna emerge com uma imagem extremamente pop, muitíssimo Jeremy Scott; toda ela é diversão e sorrisos, toda ela é uma sereia no seu mar. Madonna está em casa, chegou bem e esperamos que não tencione de lá sair. É muito bonito vê-la interagir com as largas dezenas de pessoas com quem se cruza, transmitindo esta ideia de tangibilidade que parecia ter pedido. E… Oh! O Alexander Wang! O Jon Kortajarena! O Chris Rock! OMG!!! 

Sim, a Madonna tem imensos amigos famosos, mas também estão lá todos os outros a povoar o vídeo. A música não interessa grandemente, e a grande polémica são as intervenções aparentemente filmadas em modo selfie em telefones da Beyoncé, do Kanye West, da Miley Cyrus e da própria Nicky Minaj. Que parece que não é assim muito giro, esse formato. Mas dada a disfunção Madonna-new media, não me parece assim tão estranho. Também não me parece estranho porque, segundo o meu amigo que é amigo d'Ela, Ela é mesmo assim: gosta, faz. E adora e faz tudo no iPhone e às tantas apega-se ao que fez no iPhone e acaba por utilizar essas mesmas versões que, aparentemente, não têm qualidade. 

Bitches, Ela é A Madonna, logo Ela pode. 

Tal como esta fase em que vemos a Simone, ainda não acho que poderemos ver a Madonna, mas acho que este vídeo marca o princípio dessa nova fase de reaproximação ao público, de manutenção do Mito através da quebra de alguns cânones que associamos à Madonna. 

Ou talvez o vídeo me tenha chegado num dia de grande felicidade por poder ter partilhado um palco com a Simone, quem, pela sua postura maravilhosa, me tenha feito entender a Madonna. Partilham importância no nosso contexto. Têm apenas diferenças de estado. 

joanabarrios.com