Um gene com selo português

Em Março deste ano, a investigadora identificou, pela primeira vez, uma alteração no gene EED que causa uma síndrome. Um feito que estará para sempre associado a esta portuguesa, de 26 anos que ainda ponderou uma carreira de bailarina. Actualmente a viver no Canadá, Ana espera regressar às origens para promover o desenvolvimento da área…

Um gene com selo português

Em 2011, Ana Cohen estava à procura de um projecto de doutoramento na área da genética com um objectivo em mente: arranjar uma investigação em que o seu trabalho estivesse claramente a ajudar as pessoas. 

Esse objectivo foi concretizado graças a uma oferta «demasiado boa para recusar» feita pelo médico canadiano Bill Gibson, que tinha descoberto um gene que provoca uma doença rara que afecta apenas algumas pessoas em todo o mundo, a síndrome de Weaver. 

«Ele disse-me que tinham feito uma grande descoberta e que isso se ia desenvolver num projecto, que envolvia o recrutamento e interacção com pacientes – não há nada que seja mais óbvio de que estou a ajudar pessoas. E que poderíamos fazer outras descobertas juntos», explica a investigadora de 26 anos. 

Essa nova conquista deu-se três anos depois, quando a portuguesa descobriu uma alteração no gene EED. Este 'achado' foi oficialmente documentado a 19 de Março deste ano, com a publicação de um artigo científico no Journal of Human Genetics. «É uma descoberta que tem o meu nome. Isto ninguém me pode tirar. Quando se referirem a este gene, no ramo das doenças raras, vão sempre fazê-lo com o meu nome»

Se lhe tivessem dito que algo semelhante lhe iria acontecer quando, aos 17 anos, decidiu deixar o seu país natal para ir estudar genética para a Universidade de Glagow, talvez não acreditasse. Ainda que fosse algo que almejasse. «Era um objectivo pessoal que tinha e alcancei muito antes do que estava à espera». 

Até porque Ana Sequerra Amram Cohen não foi daquelas crianças que desde cedo começou a brincar com tubos de ensaio e a imaginar-se com uma bata branca a fazer experiências. Antes pelo contrário. Aos 12 anos confessou à mãe que gostaria de seguir uma carreira como bailarina, ideia que foi rapidamente dissuadida pela progenitora, que lhe garantiu que era «demasiado boazinha» para aguentar uma vida de competição. 

Aos 14 anos, porém, surgiu uma luz ao fundo do túnel. «Biologia sempre foi a minha cadeira favorita. Mas foi quando tivemos a primeira aula de genética que achei que aquilo era muito giro». 'Giro' o suficiente para, no 12.º ano, a jovem estudante do Liceu Francês, em Lisboa, decidir tirar um curso sobre a matéria. Bastava apenas escolher a universidade. 

Filha de uma portuguesa e de um israelita, Ana sempre viajou pelo mundo para estar com o pai, que sempre viveu fora de Portugal. A comunicação entre ambos era feita em inglês, o que acabou por despertar a sua vontade de estudar nessa língua. «Um dos meus sonhos era estudar nos EUA, mas isso era ridiculamente caro. Falei com várias pessoas que trabalham na área da ciência em Portugal e todos me aconselharam a ir para fora, mais precisamente para o Reino Unido». 

Várias candidaturas depois, inclusive para França e Portugal – a primeira que fez por descargo de consciência e a segunda como recurso, para o caso de não se adaptar às terras de sua Majestade -, a investigadora acabou por fazer as malas e seguir para Glasgow. 

«Não tenho dúvidas de que foi uma escolha fantástica. Gostei muito de lá estar e o meu curso foi muito bom». Na chegada, o mais difícil foi adaptar-se à comida britânica, que diz ser bem mais gordurosa que a portuguesa. «O que mais me chocou foi a salada, a descrição perfeita era que parecia de plástico».  

Grande parte dos estudantes na universidade escocesa vinham dos sete cantos do mundo e a portuguesa recorda como adorou estar em contacto com as diferentes culturas e experiências. A investigadora não era a única a passar pelos desafios de estar sozinha, numa realidade que lhe era pouco familiar. Como no Reino Unido é hábito os estudantes saírem de casa e irem para universidades longe das suas cidades, existe um grande espírito de entre-ajuda. «Estávamos todos a lidar com os mesmo problemas. Estávamos a crescer juntos». 

Outras das tradições dos estudantes universitários britânicos é trabalharem durante os meses de Verão, para depois se poderem sustentar ao longo do ano lectivo. Ana aproveitou essa altura para estagiar nos laboratórios das prestigiadas universidades de Oxford e Cambridge. «O facto de estar a estudar no Reino Unido possibilitou esta experiência. Nessa altura, percebi que gostava muito de estar num laboratório e queria aprender mais para fazer investigação, com o objectivo de ajudar as pessoas». 

Foi focada nesse objectivo que Ana começou a procurar locais para fazer o doutoramento, uma escolha que na altura lhe parecia óbvia, depois de terminar o mestrado e depois de mais uma experiência num laboratório em Israel. O sonho de uma ida para os EUA voltou a surgir mas, a conselho dos pais, começou a procurar no Canadá, onde entrou em contacto com Bill Gibson. 

Este médico canadiano, que tem um laboratório de genética em Vancouver, descobriu que as alterações no gene EZH2 eram a causa principal para a síndrome de Weaver, uma doença genética rara, que afecta algumas centenas de pessoas em todo o mundo, e que causa o crescimento descontrolado de várias células no corpo. Algo que acontece ainda durante a gestação e que causa dismorfia. Isto é, as crianças apresentam sintomas como os olhos muito afastados, tal como as orelhas, e ainda um atraso no desenvolvimento mental. Estes pacientes têm ainda uma predisposição para desenvolver cancros do sangue, como leucemias e linfomas. 

Rumo ao Canadá
Com a promessa de possíveis novas descobertas, Ana mudou-se para a Vancouver, em Abril de 2012. Inscreveu-se para realizar o doutoramento na University of British Columbia, com uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Com a descoberta do envolvimento do EZH2 na síndrome de Weaver, a equipa que Ana passou receber amostras de 54 pacientes com sintomas da doença, para se confirmar a presença desta alteração específica e o diagnóstico definitivo. Aqui, apenas uma pequena porção destes doentes tinha, de facto, esta alteração genética, o que, nas palavras da investigadora, só permitia duas possibilidades: «Não sabemos se se tratam de casos de síndrome de Weaver causados por uma alteração noutro gene, ou se são doentes que sofrem de outra síndrome diferente». Os investigadores conseguiram identificar em apenas alguns pacientes uma doença semelhante à síndrome de Weaver, a síndrome de Sotos. Mas continuava por perceber onde residia 'o defeito' na maioria das amostras recebidas.

Nessa altura, decidiram selecionar os dez doentes que apresentavam sintomas mais graves e que tinham uma qualidade de vida mais afectada pela doença. Fizeram um teste que permite olhar para todos os genes de um doente, de uma só vez. Um destes doentes apresentava uma alteração num gene que trabalha directamente com o gene EZH2, mas sem ter este último afectado.

Para os leigos, a investigadora dá esta imagem. «O gene que nós já conhecíamos cria uma proteína mas ela precisa de estar ligada a outras proteínas. É como se fosse um anel de missangas. O gene que nós já conhecíamos produz uma das missangas – missanga 1 -, mas precisamos das outras para que ela funcione devidamente. Este teste que fizemos apontou para uma alteração noutra missanga do mesmo anel – a missanga 2 – que é produzida por um outro gene. Achámos que faria sentido que uma alteração na missanga 2 causasse uma apresentação clínica igual à da missanga 1, uma vez que estão no mesmo anel».

Esta foi a primeira vez que se documentou um caso que tivesse alterações no gene da 'missanga 2', de nome EED. O que não se sabe ainda é se as pessoas que apresentem uma alteração no gene EED têm uma variação da síndrome de Weaver ou uma outra doença. «Fazer uma descoberta destas era o maior objectivo da minha tese», garante a investigadora. 

Mas Ana não se mostra possessiva em relação ao EED. Depois do doutoramento, pondera continuar a fazer diagnósticos genéticos mas a nível clínico, num hospital. Isto significa que se vai concentrar apenas em genes que já se conhecem. «Eu estou demasiado envolvida emocionalmente no meu projecto e acho que não consigo lidar com essa pressão emocional o resto da vida. Por isso, quero mudar para um trabalho que é parecido, mas que também muito importante».  

E não descarta um regresso a Portugal. Aliás, sempre foi um dos objectivos desta investigadora: obter a melhor formação possível lá fora, para depois trazê-la para o seu país. «Quero ajudar e promover o desenvolvimento da genética em Portugal. Espero ter essa oportunidade». 

rita.porto@sol.pt