Ana Drago: ‘Costa não pode querer agradar a gregos e a troianos’

Em vésperas de referendo na Grécia, a candidata a deputada pelo círculo de Lisboa elogia o Syriza. Ao PS, acusa, faltam propostas credíveis e clareza até nas alianças. 

O que tem o Syriza a fazer, se o 'não' à austeridade vencer no domingo?

Não gostando de citar Mario Draghi, penso que 'entramos em mar desconhecido'. E, neste momento, não existe nenhum cenário bom: nem para a Grécia, nem para a Europa. Tenho alguma esperança em que as declarações do Governo americano e da diplomacia francesa – de que a questão nuclear é a reestruturação da dívida grega – tenham algum eco. Vai ser preciso reunir as forças que estão disponíveis para ajudar a Grécia, de modo a que a perspectiva da saída do euro não seja entendida como definitiva. 

O Syriza tem condições para continuar à frente do Governo?

O Syriza demonstrou uma maturidade assinalável. O que o Syriza fez foi defender a Grécia e os gregos, a vida das pessoas. Mas tenho dificuldades em concretizar. Temos de perceber qual é a determinação do povo grego depois da chantagem e da estratégia mesquinha levada a cabo pelas instituições europeias, na tentativa de que a bala rebente na cabeça do Syriza, sem que percebam que isso arrasta o projecto europeu. 

A situação vai ter consequências para a esquerda europeia?

Vai ter consequências não só para os partidos mas também para toda a Europa. Esta situação na Grécia agravou a sensação de desconfiança, de mal-estar e de incapacidade das instituições para resolver o problema. Perante uma péssima gestão inicial da crise, houve a ideia de que era preciso purificar as economias pela mão da austeridade. Isso não resolveu.

Portugal está preparado para uma eventual saída da Grécia do euro?

Numa situação de pressão sobre os juros da dívida portuguesa, não há 'cofres cheios' que sustentem a situação portuguesa. É uma irresponsabilidade total dizer que estamos preparados para uma situação de turbulência nos mercados. Não estamos. 

A posição do Governo na mesa das negociações tem sido criticada pela esquerda. António Costa tomaria uma posição diferente?

Passos Coelho colocou-se como um dos mais inflexíveis negociadores da Grécia. Atirou gasolina para cima da fogueira. Mas devo dizer que as declarações do PS sobre o Syriza me envergonham. Compreendo que António Costa não tenha afinidades políticas com o Syriza. Mas se António Costa quer alterar a governação, tem de estar disponível para o confronto. Não pode, à beira das eleições, dizer que abandona as suas reivindicações perante a chantagem das instituições. 

É isso que o líder do PS tem feito?

Dizer que o Syriza negociou mal é fazer de nós um bocadinho tontos. Não se trata de maior ou menor habilidade negocial. Importa é perceber que governos que venham a ser eleitos têm de estar dispostos a fazer o confronto. 

Costa recuou no apoio à Grécia?

Eu creio que há um recuo e é a leitura errada do que aconteceu com todo este processo e daquilo que podemos aprender com a Grécia. 

É a número dois da lista do Livre/Tempo de Avançar (L/TdA) por Lisboa. Acredita que vai ser eleita?

Tenho essa expectativa e espero que o movimento possa crescer e ter uma importante representação na Assembleia da República (AR), para apresentar propostas políticas que possam resolver os problemas concretos das pessoas. 

Também em Lisboa, Mariana Mortágua lidera a lista do BE. Não teme o efeito da sua substituta na AR?

O BE sempre teve excelentes quadros políticos. Quando estava para sair do Parlamento defendi que devia ser a Mariana a substituir-me, porque vi nela esse potencial e essa capacidade de trabalho. Fico satisfeita por se ter confirmado. 

Há um número recorde de candidaturas à esquerda. Como é que o eleitorado vos vai distinguir?

Nós queremos ser claros na nossa proposta. Não propomos tudo a todos. As forças à esquerda do PS privilegiaram a denúncia e o protesto, mas parece que não querem assumir a responsabilidade de encontrar compromissos.

PCP e BE não estão preparados para governar?

A minha dúvida é se o PCP e o BE querem governar. O Syriza percebeu a urgência do momento histórico e que a prioridade era fazer uma batalha para defender a vida das pessoas, mesmo percebendo que as diferentes forças não estão de acordo sobre tudo. 

Mas o Syriza recusou alianças com o Pasok.

O PS começa uma estratégia de austeridade logo em 2010, pensando que uma dose mais soft  permitiria resolver a crise. Eu recuso esta 'estratégia Dupond e Dupont'. Tenho muitas discordâncias em relação ao PS – como a dificuldade de assumir que a reestruturação da dívida é o caminho para resolver a crise do euro de uma forma definitiva -, mas creio que  o  PS  é  necessário  e  tem  de ser chamado à responsabilidade de  defender  o  país  no  contexto do euro. 

António Costa está a mentir quando diz que tudo se vai resolver mesmo sem a renegociação da dívida?

Está enganado. É preciso perguntar ao PS como é que estabelece cenários macro-económicos para o futuro que assentam em valores de crescimento económico que ninguém consegue explicar. Os próximos tempos devem levar o PS a perceber que a reestruturação da dívida é um mecanismo de resolução definitiva da crise das dívidas e da possibilidade de defender em Portugal um modelo de sociedade solidária e justa. 

A reestruturação da dívida é a vossa linha vermelha no apoio ao PS?

A ideia de que se estabelecem linhas vermelhas e que estas linhas não permitem sequer começar um diálogo prejudicou a criação de uma frente alargada e o combate ao governo PSD/CDS. Interessam-me, portanto, as linhas verdes. A reestruturação da dívida é fundamental, mas vamos começar um diálogo sobre as linhas verdes: emprego, sustentabilidade da Segurança Social, mesmo considerando as diferenças na condução política.

Esperava que o PS já tivesse descolado nas sondagens?

A coligação está em minoria nas sondagens. Acho extraordinário quem acha que o PSD e o CDS triunfam neste contexto. Há um conjunto de forças que se pronunciaram contra as políticas de austeridade que tem a maioria. 

Mas o PS não surge destacado. 

Acho que isso decorre da falta de clareza do PS. O PS não é claro até nas alianças que quer fazer. António Costa acha que, se não estabelecer compromissos muito claros, conseguirá agradar a gregos e a troianos. Eu acho que é o contrário. Neste momento, ninguém se sente confortável e confiante com as propostas do PS. A ideia de dizer que tudo vai correr bem para todos os lados, que não vai ser preciso fazer uma negociação dura no quadro da Zona Euro porque sabemos conduzir negociações, e que se não se falar da reestruturação da dívida ela desaparece, não inspira confiança. 

Se o PS tiver maioria absoluta, que papel vos está reservado?

No Parlamento, teremos uma função propositiva, apresentaremos as nossas propostas e veremos o seu acolhimento. Somos o garante de que há clareza nos propósitos, transparência e verdade. 

A capacidade de alterar a governação é mais fácil dentro do Governo ou no Parlamento?

Não há uma receita. Queremos alterar as políticas e colocar um ponto final na austeridade. Isso significa, obviamente, assumir responsabilidades.

O L/TdA referendou o apoio presidencial da plataforma. Vai fazer campanha por Sampaio da Nóvoa?

Tenho muita expectativa na campanha de Sampaio da Nóvoa e, se quiser contar comigo, obviamente estou mais do que disponível. A forma como se apresentou ao país é, de facto, uma esperança.

Carvalho da Silva seria o seu candidato, se estivesse na corrida?

Carvalho da Silva seria um excelente candidato. Mas não é. Temos Sampaio da Nóvoa e é um excelente candidato. 

Há espaço para mais candidaturas à esquerda?

Sampaio da Nóvoa apresenta um projecto de congregação de vontades, exactamente na mesma linha da nossa candidatura cidadã.

Paulo Morais foi o segundo mais votado no referendo. Surpreendida?

Fiquei. Compreendo que esta raiva das pessoas sobre a escolha democrática e a defesa do interesse público signifique uma adesão a alguns discursos do tipo: 'vamos prendê-los a todos'. Quem me dera que bastasse prender malandros corruptos. E bem necessário que é. Mas é preciso um bocadinho mais. É não permitir que os interesses públicos sejam subordinados aos interesses privados. 

ricardo.rego@sol.pt