Os perigos de não vacinar

O primeiro caso de difteria em 30 anos em Espanha – num menino catalão que os pais não vacinaram e acabou por morrer na semana passada -, fez soar o alarme e relançou o debate sobre as campanhas contra a vacinação que têm ganhado terreno por todo o mundo.   

Espanha não é o único país ocidental com problemas. Nos EUA, um surto de sarampo que começou em Dezembro na Disneylândia (Califórnia), causou mais de uma centena de casos em 14 estados e, em Fevereiro, Barack Obama apelou aos americanos que vacinassem os seus filhos.

Em Portugal, as autoridades estão atentas, mas não preocupadas: A taxa de vacinação do nosso país é elevada, garante a subdirectora-geral da Saúde, Graça Freitas: «Os pais estão sensibilizados e cerca de 98% das crianças  [até aos 10 anos] estão vacinadas», explica a responsável pelo Plano Nacional de Vacinação (PNV), reconhecendo porém que, por vezes, «há alguns atrasos» em seguir o plano. 

Mas, apesar de «não haver grupos organizados anti-vacinas» no país, há pais que decidem não vacinar os seus filhos, seja pelos componentes que as inoculações levam, seja porque pensam que muitas das doenças que estas previnem estão erradicadas. Nada mais errado, alerta a subdirectora-geral da Saúde: «A única doença erradicada é a varíola».

Origem do contágio por determinar
O PNV continua a incluir doenças eliminadas no território mas que existem noutros países. Por isso, assevera Graça Freitas, a maioria dos adultos portugueses «é imunizada contra a difteria quando faz o reforço da vacina do tétano, de 10 em 10 anos». Mas também aqui há atrasos – e muitas vezes de vários anos. 

E os adultos podem ser portadores da bactéria corynebacterium diphtarae, que se transmite através da tosse e das vias respiratórias, «transmitindo-a às crianças, o grupo mais vulnerável», recorda o presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, Mário Rego dos Santos.

Em Espanha, os dados apontam para uma imunização na ordem dos 90%, ou seja, também há «imunização colectiva», esclarece ainda Graça Freitas. De facto, quase há 30 anos que o país vizinho não tinha nenhum caso de difteria – doença que começa por atacar sobretudo o nariz e a garganta, mas que pode comprometer órgãos como os pulmões, coração e rins, e ser mortal. Após várias semanas em estado crítico num hospital em Barcelona, o menino de seis anos não resistiu. A origem do contágio continua um mistério. Uma das hipóteses apontadas é um viajante que terá chegado de países onde a doença ainda não foi eliminada. 

O menino não foi o único contagiado. Entre as 57 crianças que com ele tiveram contacto, oito contraíram a bactéria responsável pela difteria. A vacinação, porém, salvou-as, impedindo que a doença se desenvolvesse. «A vacinação permitiu progressos extraordinários na saúde infanto-juvenil» (após um ano de idade), sublinha Mário Rego dos Santos. 

Por precaução, todos foram medicados com antibiótico e permaneceram em casa 10 dias. O objectivo, esclareceram as autoridades sanitárias, foi impedir que estas crianças contagiassem as outras 3% que não estão imunizadas na comarca da Garrotxa, na Catalunha.

Em Portugal, segundo as contas da DGS, o número de crianças até 10 anos não vacinadas ronda  os 2%. Apesar de não haver qualquer movimento organizado, há pais que não vacinam os filhos, outros que escolhem dar apenas algumas e outros que adiam esse momento até as  crianças completarem o primeiro ano de vida. 

Os não vacinados
Nem Ricardo, de nove anos, nem a sua irmã, Joana, de sete, foram vacinados durante os primeiros anos. «Informámo-nos junto de vários médicos, e decidimos que o benefício não compensava os riscos. As vacinas contêm produtos tóxicos que podem comprometer o desenvolvimento das crianças, principalmente quando o seu sistema imunitário é ainda tão frágil», explica o pai, Tomás, de 42 anos. Por outro lado, argumenta, «são contra doenças que estão erradicadas». O pediatra das crianças «aceitou com naturalidade» a decisão da família:  «Apenas recomendou que tomassem a da meningite por tratar-se de uma doença perigosa e mortal». 

Mas ter apenas essa vacina foi  insuficiente para o estabelecimento de ensino em que Ricardo e Joana entraram aos três anos. «A escola exigiu que apresentássemos o boletim actualizado», conta o pai. As escolas não podem recusar os alunos sem vacinas, uma vez que não há nada na lei que o preveja, mas a DGS recomenda a todos os estabelecimentos que exijam este boletim em dia. 

Os pais de Ricardo e de Joana, conseguiram contornar o problema: obtiveram um atestado médico a indicar que «as crianças tinham hipersensibilidade às vacinas». A escola aceitou a justificação. Mas a pressão «da família e do centro de saúde» acabou por convencê-los a vacinar os filhos. 

Jorge, de seis anos, e Alexandre, de três, continuam sem qualquer vacina. A família não quis inocular os filhos até ao primeiro ano de vida. «O sistema imunitário deles está em desenvolvimento», diz a mãe, Manuela. «Dar vacinas nessa fase é criar uma situação artificial que vai interferir no seu percurso», acrescenta, defendendo que os filhos «estão num ambiente protegido, em que não há focos de contágio de doenças como a poliomielite ou mesmo a difteria». «Caso haja necessidade, poderão ser vacinados», refere ainda a mãe dos dois rapazes, garantindo que prefere criar os seus filhos «sem medos» de quaisquer doenças. 

sonia.balasteiro@sol.pt