Obviamente, reforme-se

O Procurador-geral da República completa dentro de semanas (no início de Abril) 70 anos, atingindo o limite de idade para o exercício da magistratura.

pinto monteiro, por antecipação, veio desde já anunciar que tenciona manter-se em funções mais uns meses, até ao final do mandato (em princípios de outubro). argumenta que a constituição e o estatuto em vigor assim o permitem.

há menos de dois anos, pinto monteiro insistiu teimosamente em conservar o seu vice, mário gomes dias, depois de este ter completado o seu 70.º aniversário. teimosamente, porque a questão da legalidade do exercício de funções para além do limite de idade estipulado foi imediatamente suscitada em foro competente e em público e pinto monteiro fez orelhas moucas. até mais não poder. ao ponto de acabar a ratificar e rectificar despachos e outros actos do seu vice que, por já não poder sê-lo, estavam manifestamente feridos de ilegalidade.

na altura, no verão de 2010, a polémica foi maior porque mário gomes dias era apontado como um dos principais agentes da pressão de que se afirmaram alvos os dois procuradores responsáveis pelo caso freeport – os tais dois procuradores que foram visados em procedimentos disciplinares pela forma como conduziram o processo e, nomeadamente, por terem incluído em despacho as perguntas que nunca puderam fazer ao primeiro-ministro em exercício à época.

a questão da legitimidade ou ilegitimidade de pinto monteiro para levar até ao fim um mandato que está para além do limite de idade que entretanto atingirá será certamente decidida em função do quadro normativo, constitucional e legal, que a quem de direito cumpre analisar – e que devia ser imediatamente esclarecida, uma vez que pinto monteiro já anunciou que não tomará a iniciativa de se afastar do cargo pelo simples motivo de completar 70 anos em abril.

até porque não é caso único: também o presidente do supremo completará 70 anos sem o mandato terminado.

esperar pelo facto consumado e, depois, levar meses a saber se o pgr pode/podia ou não manter-se em funções após ter atingido o limite de idade não tem razão de ser. mesmo sendo a praxe do burgo, que arrastar os problemas é forma absurdamente usual de ultrapassar os obstáculos da lei e da justiça e de garantir de facto o que não é possível pelo direito.

outra questão é a de saber por que razão pinto monteiro quer manter-se em funções para além do limite de idade e até ao final do mandato.

será que o procurador-geral da república se propõe fazer em menos de meio ano o que não fez em todo o resto do mandato?

por junto, e até agora, pinto monteiro apenas contribuiu para piorar a desconfiança da opinião pública na justiça e acentuar a ideia, aliás repetida esta semana pela própria ministra da tutela, de que há uma justiça para ricos e outra para pobres e há uns que os tribunais levam anos a perseguir sem que consigam jamais provar o que quer que seja e outros a quem fecham os olhos, não por a justiça ser cega (que, se o foi, há muito deixou de o ser), mas por não olhar a meios para atingir outros fins.

a verdade é que pinto monteiro, que quer continuar pgr até quando lhe for permitido, não tem nem a confiança política do presidente da república (basta reler o discurso da noite em que cavaco silva foi reeleito) nem do governo (como o confirmam as declarações de paula teixeira da cruz, nesta semana, no clube dos pensadores). nem tão pouco dos magistrados do ministério público – e é por demais conhecida a guerra que sempre moveu ao sindicato liderado por joão palma.

objectivamente, pinto monteiro, para acabar com dignidade o respectivo mandato como procurador-geral da república, devia ter vindo anunciar precisamente o contrário do que disse ao sol na semana passada.

ficava-lhe bem, porque enfim prestava um bom serviço à justiça, ter vindo dizer que no dia em que completar os 70 anos, obviamente, reforma-se. e com ele, os duques, as duquesas, os barões e as baronesas que começou por denunciar quando chegou à rua da escola politécnica e com os quais, afinal, acabou a cultivar uma relação de promíscua vassalagem.