Francisco Lufinha: ‘Conheci os meus limites’

O sono e o cansaço quase traíam Francisco Lufinha durante a travessia de Lisboa à Madeira em cima de uma prancha de kitesurf. Na segunda noite, as alucinações afectaram-lhe o desempenho e num momento de menor concentração os fios do equipamento enrolaram-se na hélice do barco onde seguia a sua equipa de apoio. Só a…

“Apanhei um grande susto”, diz ao SOL Francisco Lufinha, que partiu no domingo do Cais das Colunas, em Lisboa, rumo à ilha da Madeira para bater o seu próprio recorde do mundo da maior viagem de kitesurf sem parar – estabelecido em 2013 quando fez uma travessia de 564 quilómetros entre Gaia e Lagos.

O incidente injectou-lhe a adrenalina que precisava quando o corpo começava a ceder ao esforço. Nessa fase da aventura, com as dores nos joelhos a intensificarem-se após muitas horas no mar, já várias peripécias tinham deixado rasto na água. 

Na primeira noite, “a mais complicada das duas”, Lufinha conta que caiu por acção de uma forte rajada de vento: “Tentei encontrar a prancha, mas como estava muito escuro não consegui. A minha equipa não deu por isso e acabei por andar à deriva no oceano. Tive de usar um very-light para o barco me conseguir encontrar”.

A prancha desapareceu de vista, mas não os percalços. Com a 'suplente' colada aos pés, já no segundo dia, vieram as alucinações. A fadiga pregou-lhe partidas que nunca tinha vivido.

“De noite, as visões de pessoas e animais eram constantes. Cheguei inclusivamente a ver uma mistura de golfinho e elefante”, descreve, já de lucidez recuperada mas ainda com o corpo dorido.

Lufada, como é tratado pelos amigos, também avistou prédios onde só havia mar e a dado momento diz ter perguntado à equipa de apoio o que estava ali a fazer, mas horas depois da chegada à Madeira a principal 'marca de guerra' eram as dores nos joelhos. Os lábios secos e os olhos magoados da exposição solar e do contacto com o sal também constavam do boletim clínico.

“Por ter caído várias vezes da prancha, acabei por passar muito tempo com os olhos na água. E o Sol piorava a situação”, relata Francisco Lufinha, mestre em Engenharia e Gestão Industrial, actividade que deixou de parte para se dedicar ao seu desporto de eleição.

A recta final do percurso até à Madeira teve de ser feita de barco. Ao fim de 874 quilómetros no Atlântico, 310 acima do anterior recorde do mundo, o lisboeta de 31 anos decidiu parar. A ilha de Porto Santo já surgia ao longe no horizonte, mas o vento soprava com demasiada força e os músculos, depois de 47 horas e 37 minutos de trabalho, clamavam por descanso.

“Já não aguentava mais”, admite o kitesurfer. “A minha equipa, como sempre, insistia para eu continuar, mas já tinha cumprido um dos objectivos e naquela altura estava a cair da prancha de cinco em cinco segundos”.

Francisco Lufinha alimentou-se a cada 45 minutos. Aproximava-se do catamarã, recolhia a iguaria e comia em andamento. Das 64 refeições definidas pela nutricionista Bárbara Cancela de Abreu, desde gaspacho em copos de iogurte a wraps de frango e salmão, ingeriu apenas 40.

Nas próximas semanas terá tempo de repor energias. A prioridade agora é recuperar e só depois pensar no desafio seguinte: “Quero ir aos Açores mas ainda não sei como”.

Lufada também tem dúvidas sobre uma segunda tentativa para ligar o Terreiro do Paço à Madeira. “Com esta aventura conheci os meus limites. Não sei se a vou repetir”. Seria a oportunidade para tentar encontrar a prancha perdida.