As duas partes procuraram enganar-se uma à outra: Tsipras fingiu em Bruxelas que aceitava as medidas impostas pelos credores, os credores fingiram acreditar na capacidade da Grécia para as cumprir.
Tsipras aliviou momentaneamente a pressão financeira que ameaçava estrangulá-lo, a Zona Euro aliviou a tensão interna que opunha a Alemanha e os países do Norte à França e Itália.
Mais uma vez, os líderes europeus mostraram a sua obsessão pelo compromisso e o seu medo das rupturas clarificadoras – medo esse que ameaça mergulhar a Europa num pântano.
Independentemente de se saber se as medidas acordadas são boas ou más, a Grécia não tem condições para as pôr em prática.
A máquina fiscal não funciona – e não vai passar a funcionar de um dia para o outro; a economia está exangue e ainda se vai afundar mais, porque ninguém quer agora investir na Grécia; a banca está falida; os equilíbrios políticos são quase impossíveis.
Dizem que ao fim de cinco anos de austeridade a Grécia está pior do que estava antes – e isso é apresentado como prova de que esta ‘receita’ não funciona.
Quem diz isto esquece-se de que a Grécia não implementou para aí 75% das medidas constantes dos programas de resgate.
E mesmo assim, no fim do ano passado, estava a recuperar e as perspectivas para este ano eram animadoras.
Mas os últimos seis meses foram catastróficos – e os próximos não vão ser melhores.
Ao dizer aos gregos, numa declaração nunca vista num político, que não acredita no acordo que ele próprio assinou em Bruxelas, Alexis Tsipras condenou-o ao mais rotundo fracasso.
Tsipras ainda é formalmente primeiro-ministro, mas na prática já não o é – porque está a aplicar um programa contra a sua vontade e porque precisa do apoio das forças que foram derrotadas nas últimas eleições: a Nova Democracia, o Pasok e o To Potami.
Tsipras não acredita nas medidas que quer pôr em prática – e as pessoas não acreditam em Tsipras, quer fora quer dentro da Grécia.
Como entender que, quatro dias depois de ter incentivado as pessoas a votar ‘não’ no referendo, tenha levado a Bruxelas a proposta chumbada?
Foi uma humilhação para ele e uma humilhação para o povo grego.
Se sabia não haver alternativa, para que realizou o referendo?
Alexis Tsipras é um mistério – e neste momento já é um cadáver político.
A sua permanência no cargo não é possível por muito mais tempo.
É como se Passos Coelho estivesse à frente do Governo português a fazer leis das quais dizia discordar – e a conseguir aprová-las com os votos do PS e do PCP, pois parte do PSD já o tinha abandonado.
O argumento, agitado por alguns, de que a questão grega é ‘política’ e não ‘económica’ não passa de uma chantagem que visa desresponsabilizar a Grécia ad eternum.
Argumentar isso é o mesmo que dizer que a Grécia jamais poderá sair da Zona Euro, pois tem uma posição geoestratégica que a Europa não pode dispensar.
E, nessa medida, nunca precisará de cumprir as regras financeiras do euro.
Poderá fazer sempre o que quiser.
Ora isto é obviamente impossível.
Quando se aceitar que um país pode estar na Zona Euro e não cumprir as regras, a Zona Euro acabará no dia seguinte.
Tsipras também procurou assustar a Europa agitando o espantalho russo.
Se a Europa não os ajudasse, eles iriam bater à porta da Rússia.
Mas o que tem a Rússia para dar à Grécia?
Além disso, a Grécia faz parte da União Europeia – e uma saída da Zona Euro não arrastaria necessariamente uma saída da UE.
E há ainda a NATO.
A Grécia integra a NATO e tem bases americanas lá instaladas.
Se saísse do euro, iria fazer o quê? Trocar as bases americanas por bases russas?
A aproximação à Rússia é uma fanfarronice – como fanfarronice foi o referendo, no qual Tsipras deu a entender que tinha uma carta na manga que afinal não tinha.
Até porque, se o Governo de Atenas fizesse menção de se afastar do Ocidente e aproximar de Moscovo, haveria o risco enorme de um golpe militar.
Risco que, na actual situação de caos, também não está afastado…
Uma palavra final para o comportamento do PS.
Os socialistas fizeram deste caso, desde o início, uma questão política interna, começando por dizer que o Governo português era dos mais hostis à Grécia – o que era falso.
E, para não perder votos à esquerda, o PS esteve às vezes mais próximo da extrema-esquerda do que da sua própria família política.
O que é um jogo perigosíssimo: o PS faz parte do socialismo democrático e deveria rejeitar liminarmente os populismos e os esquerdismos – que, a alastrarem na Europa, ameaçarão sobretudo os partidos socialistas.
Em vez de contribuir para isolar o aventureirismo do Syriza, o PS permitiu que ele contagiasse alguns dos seus sectores.
É um pouco como se, depois do 25 de Abril, em lugar de fazer frente ao PCP, o Partido Socialista lhe tivesse aberto as portas.