Os sinos de Atenas

Não sabemos como vai acabar a história, mas vale a pena lembrar como começou; recordar o activismo dos euro-entusiastas e dos euro-fanáticos para trazer os gregos para a moeda única, indiferentes às conhecidas deficiências do país. 

A vontade integradora num projecto político imaginado, a aplicação zelosa à utopia federalista, a retórica antinacional e os interesses construídos à volta da eurocracia não tinham, então, olhos para obstáculos. E os gregos – ou pelo menos os que viram vantagens imediatas na integração – não quiseram deixar de aproveitar a oportunidade.

O Governo do Syriza – uma equipa muito inspirada pelo revivalismo marxista universitário ocidental, espécie de update dos Sweezy e dos Baran dos anos 60 com uma pitada de Wallerstein – fez o que todos esquerdistas internacionalistas fazem quando em dificuldade ou em aflição: recorreu ao nacionalismo.

É um jogo interessante: Tsipras e os seus companheiros mudaram a equação, transformando uma relação devedores-credores num quadro financeiro, numa questão política em que um povo resiste e recusa um diktaat humilhante do estrangeiro que pretende impor-lhe uma política.

E Atenas ainda acena com meios de pressão geopolíticos: no momento em que Putin está de más relações com o Ocidente, levanta a questão de uma aproximação estratégica aos outros ortodoxos, tendo como aliados os nacionais-conservadores religiosos da coligação, cujas ideias se aproximam dos novos russos. No quadro da imigração política norte-africana e médio-oriental, a Grécia está também numa linha da frente securitária europeia.

Do outro lado, a frente dos credores e a frente europeia não têm uma posição unívoca. Afinal, ninguém cumpriu as regras todas desde o princípio; só que uns cumpriram (ainda) menos que os outros. Mas todos sabem que os maus exemplos de laxismo em relação aos princípios da moeda única começaram logo com os grandes e que se o rigor da lei for aplicado a Atenas e se se quebrar, com a exclusão, o princípio da irreversibilidade do euro, os custos políticos e até históricos serão grandes.

Vai ser um David-Golias muito especial, com consequências previsíveis e inesperadas, uma navegação e confrontação à vista. No nosso caso, convém lembrar que, por muito que as situações sejam diferentes entre as ‘virgens loucas’ gregas e as ‘prudentes’ nacionais, se os gregos desaparecerem do mapa, nós somos e seremos, com folga ou sem ela, os próximos candidatos à dificuldade.

Até porque os outros europeus do Sul – italianos e espanhóis – representam uma primeira divisão na ‘liga dos problemáticos’ a quem são devidas outras complacências. Não será por eles que os sinos vão dobrar.