A dramática maratona do fim-de-semana em Bruxelas, com os nervos e o suspense à flor da pele, gerou o ruído suficiente para sepultar o assunto no esquecimento. E, no entanto, sobra-lhe significado.
A história envolveu nove dos mais conhecidos pivôs e directores de televisões privadas gregas, convocados para responder perante uma comissão de ética do sindicato, com forte influência do Syriza. A acusação foi bizarra: teriam violado a lei eleitoral, ao privilegiarem supostamente as posições dos apoiantes do ‘sim’.
O sindicato já criticara, aliás, «o comportamento delinquente, substituindo a função de jornalista pela de propaganda disfarçada», embora não conste que tenha adoptado o mesmo jargão para outros meios, que defenderam ostensivamente o ‘não’.
Perante esta curiosa bipolaridade, é difícil não concordar com o desabafo de um editor de internacional da ANT1 (uma das maiores cadeias de televisão privadas gregas), Nikolas Vafiadis, que identifica «sinais precoces de um autoritarismo crescente (…) a caminho de um novo estalinismo». Há razões para temer que não esteja enganado.
Trata-se de um ‘filme’ que conhecemos bem, desde o tempo do PREC vivido em Portugal, no Verão Quente de 1975, quando o PCP ditava as regras nas redacções.
Foi por essa altura que Saramago – ainda muito longe de ser Nobel – mandou como quis na direcção do Diário de Notícias, saneou jornalistas, escreveu editoriais incendiários, exerceu uma censura férrea sobre quem se lhe opusesse. Não foi o único.
À sombra dos revolucionários militares de esquerda e sob a batuta de Cunhal, tomaram-se os jornais de assalto – incluindo, literalmente, o velho República, um título que era o refúgio da oposição ao regime de Salazar-Caetano.
Derrubada a Censura oficial, despontou, de imediato, uma outra, nem sequer disfarçada, para calar qualquer ousadia contrária à doutrina reinante.
Os tempos são outros, mas, na Grécia do Syriza, a doutrina assemelha-se. Há uma coligação de extremos, instalada no Parlamento, nos media públicos, nos ministérios.
Neste xadrez, a tentativa de domesticação dos jornalistas ‘rebeldes’ ilustra o conceito do Syriza acerca da liberdade de imprensa.
A nossa experiência não andou longe. Primeiro, com o esquerdismo alucinado do PREC e, menos longinquamente, com a estratégia de asfixia – ou de apropriação – dos meios de comunicação incómodos, promovida pelos governos do PS de Sócrates.
A relação do PS com os media desliza, não raro, para o terreno da pressão. O verniz estala com facilidade.
Num livro publicado em Maio, Felisbela Lopes, uma investigadora universitária que tem reflectido sobre o ‘estado da arte’ nas redacções, escreve que «ser jornalista é aceitar exercer uma profissão que está sob ameaças de vária ordem. E isso deveria suscitar um amplo debate público». Mas não suscita.
É por isso que não espanta a indiferença de uma larga maioria dos nossos media perante o comportamento do Syriza em relação a jornalistas ‘não alinhados’, querendo impor-lhes a mordaça do costume.
A aliança dos extremos, protagonizada por Tsipras, pode intimidar jornalistas, insultar o FMI ou o Eurogrupo, que a nossa esquerda não se mexe. Nem estremece.
A desordem nos media gregos não é, contudo, de hoje, como o demonstra um estudo recente ‘Media Policy and Independent Journalism in Greece’, que destaca o que chama um ‘triângulo de poder’ englobando uma teia de cumplicidades e de clientelismos, na qual convergem políticos, meios de comunicação e o mundo dos negócios.
A incipiente regulamentação – incapaz de monitorizar os interesses estatais e privados – fez o resto. O mercado mediático converteu-se num terreno propício aos jogos de poder, facilitados pela quebra de receitas.
Nestas condições, a insegurança no emprego fragilizou muitos jornalistas. Tornaram-se num alvo mais exposto, sujeito às errâncias políticas e aos arranjos estratégicos.
Com o novo resgate (se todas as partes o aprovarem, depois do Parlamento grego em polvorosa), o discurso anti-austeridade – que foi a bandeira de Tsipras e que encontrou seguidores lestos e confessos em António Costa ou Pablo Iglésias -, ficou adiado para as calendas.
O dinheiro dos contribuintes europeus servirá, mais uma vez, para livrar os gregos de aflições imediatas. Resta saber se a Europa e a Grécia aproveitam a lição. E, na ressaca, até onde vai a tensão dos descontentes e a ‘lei da rolha’ à Syriza…