Estados de alma

Alte é uma aldeia perdida na serra algarvia, lá para os lados de Messines. Já foi uma das aldeias mais típicas do país e, contam-me os mais velhos, nos tempos de prosperidade da agricultura da amêndoa e da alfarroba, o sítio com a maior capitação de licenciados – uma autêntica aldeia de doutores. Como todo…

As quedas de água do Vigário têm estado nas notícias pois secaram ou estão em vias de secar. Tal já aconteceu muitas vezes no passado em anos de seca. A novidade este ano é que, ao factor climatérico, juntou-se a utilização da ribeira que alimenta a queda de água para irrigar um laranjal plantado há pouco tempo, num investimento de largos milhares de euros financiado pelo PRODER.

A Agência Portuguesa do Ambiente/ARH Algarve, que regula os usos conflituantes das águas, não põe a hipótese de anular a licença de captação da exploração agrícola, porque isso iria comprometer o futuro daquele investimento e porque considera que os usos agrícolas têm prioridade sobre os usos de turismo e lazer.

Esta situação levanta algumas questões cujo interesse é muito mais do que apenas local. Em primeiro lugar, porque é que um laranjal (que poucos empregos cria em Alte) deverá ter primazia sobre actividades ligadas ao turismo que sustentam o pequeno comércio de toda uma aldeia?

 

Existe, também, uma questão de direitos de propriedade. Quem tem direito à água da ribeira: o proprietário do laranjal ou a população que usa desde tempos ancestrais a queda como zona de lazer?  Ou os micro agricultores espalhados ao longo da ribeira que usam a sua água desde sempre?

Finalmente, existe a questão do financiamento pelo PRODER. Compreende-se mal que seja considerado viável um projecto cuja irrigação tem este efeito externo e que depende da utilização gratuita de um recurso público.  Se tendo de pagar pela água o seu preço de escassez e o seu valor ambiental, o laranjal não foi viável, tanto pior.  Porque motivo ser permitirá usar um recurso público em benefício privado sem a contrapartida de uma justa compensação?