O Caso William Carvalho

Na passada semana, o Sporting Clube de Portugal, Futebol, SAD, (SCP) através de comunicado oficial, criticou a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) por não ter sido informado de uma lesão do médio William Carvalho, que determinará o seu afastamento de qualquer competição desportiva por um período que pode chegar até três meses.

No aludido comunicado, a referida SAD exprimiu a sua total indignação pelo facto de o futebolista ter regressado de um curto período de férias, e após os trabalhos da seleção sub-21, com uma fratura de stress na tíbia esquerda, mas sem que tal facto tenha sido comunicado pelo corpo clínico da seleção nacional ou por qualquer um dos dirigentes da FPF.

De acordo com as notícias veiculadas pelos meios de comunicação social, parece que só aquando do regresso de William Carvalho aos treinos é que o corpo clínico do SCP identificou o aludido problema com o jogador e, curiosamente, só nessa altura, a FPF enviou os boletins clínicos referentes aos sete jogadores do Sporting que participaram no Campeonato da Europa de Sub-21.

Refira-se ainda que, de acordo com o boletim clínico da Selecção, referente ao jogador William Carvalho, consta que o jogador nunca apresentou qualquer problema físico. No entanto, publicamente, o jogador nega e refere que o departamento clinico da FPF estava a par das suas queixas físicas enquanto esteve ao serviço da Seleção de sub-21 (vice-campeã europeia).

Entretanto, o departamento jurídico do SCP enviou uma carta à FPF em que faz o levantamento dos danos causados ao clube pelo período de inatividade de William Carvalho. Em virtude da SAD não poder contar com William Carvalho – elemento fulcral nas contas do técnico Jorge Jesus – nos primeiros três meses da época, para além dos salários, esta pretende ser ressarcida financeiramente pelo período de ausência competitiva do jogador.

Nessa contabilidade de danos causados pela lesão desportiva entretanto apurada, figura a hipótese de William ver uma eventual transferência abortada devido à referida lesão ou até a possibilidade do SCP ser obrigado a ir ao mercado procurar alternativa ao jogador, tendo de realizar custos até aqui desnecessários. Como se não bastasse, ainda consta na aludida missiva que, devido à ausência competitiva do jogador, o SCP poderá ser eliminado no play-off da Liga dos Campeões em que se joga o acesso à fase de grupos (e por consequência, caso se apure, renderá 8,5 milhões de euros) ou ainda determinar uma eventual derrota na Supertaça que se disputará a 9 de agosto, diante do Benfica. 

Assim, não temos dúvidas em afirmar que o SCP, do ponto de vista desportivo, é notoriamente prejudicado pela não utilização temporária daquele que foi designado pela UEFA como o melhor jogador do último Campeonato da Europa de Sub-21 e que tem despertado a forte cobiça dos maiores clubes europeus neste defeso.

Porém, a questão que se coloca aqui será a extensão da ressarcibilidade deste dano desportivo para o SCP. Como se sabe, e por força da lei, (Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de janeiro) a FPF tem um seguro desportivo complementar específico para as lesões dos jogadores de futebol profissionais que ocorram durante os trabalhos das seleções nacionais.

Em Portugal, para os praticantes desportivos constantes do regime de alto rendimento, constata-se a existência de um sistema que prevê dois seguros desportivos que se complementam (seguro desportivo, complementado por seguro de saúde e acidentes pessoais) e quanto aos praticantes desportivos profissionais verifica-se que para além de obrigatoriamente serem detentores de um seguro desportivo este deverá ser complementado por um seguro de acidentes de trabalho tendo em conta a sua retribuição mensal.

Face ao exposto, a questão relativa ao pagamento dos eventuais “custos de recuperação” e de salários que se vencerem durante o período de inatividade de William Carvalho, desde que se prove e demonstre que tiveram origem (total ou parcialmente) na sua participação nos trabalhos da seleção nacional interveniente no último Campeonato da Europa de Sub-21, enquanto consequência direta pela inatividade temporária do jogador e compensação financeira pelos danos patrimoniais e desportivos causados, parece-nos algo pacífico e sem complexidade.

Muito mais complexa será, contudo, a questão da eventual ressarcibilidade dos “lucros cessantes” decorrentes do impedimento de utilização do referido jogador no play-off da Liga dos Campeões época 2015/2016, que poderá significar o não auferimento pelo SCP de 8,5 milhões de euros ou ainda, mas sobretudo, o não auferimento do valor pecuniário decorrente de uma eventual transferência de William Carvalho para um clube estrangeiro em virtude da sua lesão temporária, que poderá perdurar após o prazo de inscrição e transferência de jogadores.

No âmbito da responsabilidade civil geral, quanto à questão dos lucros cessantes, como se sabe, só é atribuída uma indemnização a uma determinada pessoa quando o lesado tinha, no momento do dano, um direito inequívoco ao ganho que entretanto se frustrou.

É por isso que nos nossos tribunais o cálculo destes danos é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica, necessariamente, uma previsão muito pouco segura sobre dados verificáveis no futuro. É por isso que tais danos se devem calcular segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade em termos equitativos, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal.

No plano desportivo, os critérios indemnizatórios supra-indicados agudizam-se ainda mais, uma vez que, para além de estarmos perante uma modalidade coletiva, as contingências da incerteza e relatividade do fenómeno desportivo de altíssimo rendimento tornam ainda mais difícil a prova de que a utilização ou não de um jogador numa competição é condição essencial para a verificação de um determinado resultado desportivo ou financeiro, ou da viabilidade ou inviabilidade de uma futura transferência entre clubes.

Deste modo, o SCP terá uma árdua tarefa pela frente, caso venha a optar por pedir à FPF eventuais quantias decorrentes da verificação de resultados desportivos futuros incertos pela não utilização de William Carvalho ou pela não realização da transferência do jogador pelo valor igual ou aproximado da sua denominada “cláusula de rescisão”.

Contudo, devo esclarecer o leitor que não concordo totalmente com este sistema legal de ressarcibilidade de danos patrimoniais e desportivos quando um atleta profissional se lesiona ao serviço da seleção nacional da sua modalidade, uma vez que, no final de contas, os principais prejudicados são sempre o jogador e o respetivo clube que constitui a sua entidade empregadora.