Aparições na Bósnia são falsas?

Todos os anos centenas de portugueses visitam Medjugorje, uma aldeia da Bósnia-Herzegovina onde acreditam que Nossa Senhora apareceu a seis videntes em 1981 e continua ainda a aparecer. Este santuário, cuja devoção tem crescido exponencialmente, e que recebe milhões de fiéis de todo o mundo, está a ser investigado pelo Vaticano há cinco anos. As…

Aparições na Bósnia são falsas?

As notícias de que a Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), departamento do Vaticano que analisa o caso, já teria aprovado as conclusões sobre Medjugorje começaram a circular nos jornais italianos há duas semanas. As duras medidas enunciadas passavam por não reconhecer as aparições como verdadeiras, por proibir os videntes de divulgarem as mensagens que dizem receber de Nossa Senhora e por não permitir aos bispos acolherem nas suas dioceses os videntes para darem o seu testemunho.

De acordo com a informação noticiada, o parecer da comissão liderada pelo cardeal Ruini falava de inconsistência teológica das mensagens transmitidas por Nossa Senhora e apontava o dedo à vida dos seis videntes, proprietários de vários hotéis que acolhem os peregrinos.

O porta-voz do Vaticano esclareceu, porém, que as conclusões da investigação ainda não foram aprovadas e terão de ser ainda validadas pelo Papa. Mas há dias surgiu um novo sinal de que o Vaticano não dará o aval a este local de romaria: Marija, uma das videntes que diz ter aparições diárias de Nossa Senhora, cancelou uma sessão pública em Pádua, alegando ter recebido uma carta da Congregação para a Doutrina da Fé que a proíbe de dar testemunho das aparições.

São também conhecidas as reticências de Francisco em relação a Medjugorje, que ainda recentemente, numa homilia, criticou indirectamente Ivanka, Mirjana, Jakov, Vicka, Ivan, Marija, ao falar dos “videntes que têm aparições às quatro da tarde”.

Há outros factos que causam estranheza nestas aparições por se diferenciarem das outras validadas pela Santa Sé, como Fátima ou Lourdes: a sua duração e a vida dos videntes. Em Medjugorje, as aparições duram há 34 anos, embora nem todos os videntes tenham as mesmas visões e alguns as recebam uma vez por dia, por ano ou por mês. Além disso, nenhum optou por uma vida religiosa radical, como a irmã Lúcia que se fechou num convento de clausura.

Tal como em Fátima, as mensagens que os videntes dizem receber de Nossa Senhora apelam à oração e conversão, e fazem referência a dez segredos que, dizem, serão revelados em breve.

Muitos portugueses devotos

O padre Carlos Macedo acompanha anualmente grupos de peregrinos a Medjugorje e já perdeu a conta às vezes que lá foi. Garante ao SOL que este é um lugar especial e que já assistiu a muitas mudanças de vida após as peregrinações. Não acredita, por isso, que o Vaticano venha a condenar as aparições. “Não pode negá-las porque há lá muitas conversões. Além disso, há um sentido de oração muito forte”, afirmou, referindo-se ainda ao que diz serem os “frutos” de Medjugorje: grupos de oração e obras sociais que surgem em todo o mundo e também já em Portugal.

O padre português, que estará no santuário bósnio nos próximos dias, explica ainda porque considera que as dúvidas levantadas não vão traduzir-se na negação total do fenómeno. “A Igreja não se pode pronunciar-se definitivamente porque as aparições continuam a decorrer. Seria inédito”. Também por isso, outros especialistas em religião prevêem uma posição menos radical da Santa Sé: por exemplo validar as aparições iniciais (em 1981) mas impedir os católicos de participarem nos chamados êxtases: aparições em directo, em que o vidente se reúne com a multidão e transmite a mensagem que vai recebendo. Quase certo é ainda que o Vaticano se pronuncie sobre os videntes, exigindo-lhes mais discrição na sua exposição pública.

O padre Carlos Macedo não tem dúvidas de que mesmo que o Papa não valide Medjugorje, milhares de pessoas continuarão a ir lá.

Fátima recebeu visitas papais

Em Fátima, a aparição da Virgem aos pastorinhos também não foi logo validada pela Igreja. Marco Daniel Duarte, director do Serviço de Estudos e Difusão de Fátima, explica que as crianças foram logo interrogadas pelo pároco de Fátima após o 13 de Maio de 1917. Mas a atitude foi de prudência e o clero foi proibido de participar nas celebrações que acolheram logo milhares de crentes: na terceira aparição já estariam quatro a cinco mil pessoas na Cova da Iria. “São vários os gestos do Vaticano em favor de Fátima, já perceptíveis na década de 1920, quando autorizam os actos de culto no Santuário que se estava a formar”, diz ao SOL Maior aval às aparições é a visita dos papas. E todos vieram a Fátima.

rita.carvalho@sol.pt