Confraria da gastronomia do Ribatejo

Os campinos surgem na paisagem. Imponentes, trajados de camisa branca, barrete verde, colete e faixa vermelha, calção azul e meias brancas até ao joelho, colam-se ao olhar de quem por ali passa como uma referência cultural que distingue o Ribatejo e a sua fama de lidar os toiros. É toda uma maneira de estar na…

São estes traços fortes que nos arrepiam e comovem quando ouvimos o fandango. O soar da música faz lembrar de imediato os campinos, cavaleiros da lezíria que nas cores quentes das planícies ribatejanas o dançam ao desafio. É o movimento do corpo, a concentração do olhar, é a criatividade de quem nasceu a ouvir o fandango, é a cultura que se entranha mesmo antes de saber quem somos.

Porque as confrarias são um retrato, uma inspiração fiel da paisagem física e cultural em que emergem, na Confraria da Gastronomia do Ribatejo sente-se a pujança da cultura ribatejana. A começar pelos trajes, num fato completo, dominam o azul, o vermelho, o verde e o branco a lembrar as cores do campino. No seu âmago, está a gastronomia ribatejana ampla que abrange tudo o que se produz por aquelas férteis terras. O tomate, o azeite, as couves, as cebolas, os alhos, os morangos, as uvas, os melões, os peixes do Rio Tejo, os vinhos tão característicos do Ribatejo, as compotas, os doces conventuais, enfim, tudo o que ali é feito com qualidade. A unir a diversidade e como forma de a concretizar, esta Confraria exibe como receitas de proa o que os cavaleiros da lezíria comiam no seu quotidiano de trabalho e nos dias de festa: torricado de bacalhau e o magusto. Porque a vida de campino obrigava a saídas prolongadas e imprevisíveis não se conseguia prever as necessidades alimentares, por isso o pão ao ficar duro era depois passado em azeite e alho e torrado. Estava, assim, feito o torricado que era depois acompanhado com bacalhau grelhado em lume de vides. O magusto feito com pão, azeite, alho e as boas couves do Ribatejo eram acompanhadas com sardinhas assadas. Uma alimentação feita com os produtos que a terra dava e que permitia a força e a vitalidades necessárias para a pesada lida do quotidiano.

Nascida em 2000, a Confraria da Gastronomia do Ribatejo traduz a ambição de um grupo de amigos de defender e preservar os usos e costumes da Cozinha Tradicional do Ribatejo. É no ambiente da Feira de Gastronomia mais antiga do país, o Festival Nacional de Gastronomia de Santarém que aqueles confrades percebem a ênfase que deve ser dada à gastronomia ribatejana. Não deixar esquecer a alimentação tradicional, nem as práticas da sua confecção, foram as prioridades desta Confraria.

O mérito não se fica pelo valoroso trabalho que praticam desde há 15 anos em prol da gastronomia ribatejana. Visionários e com uma enorme tendência agregadora, foram impulsionadores da constituição de uma Federação de Confrarias que incluísse todos os movimentos que surgiam na defesa da gastronomia nacional. A sua acção e importância foram decisivas na escolha de Santarém para sede da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas.

Como bons ribatejanos que são, os confrades relevam a grande festa que é a Feira Nacional de Agricultura, momento e espaço onde a prática agrícola se exibe em toda a sua diversidade. Grande atracção nacional, é obrigatória, quer para os que vêm na agricultura um modo de vida, quer para os que admiram a vocação agrícola de Portugal. Mas para além do bulício da feira e do que representa enquanto montra da agricultura de topo que se faz no nosso país, convém não esquecer as tradições que os ribatejanos apreciam e que só são vividas com intensidade por eles por as entenderem e fazerem parte da sua herança cultural. Um exemplo disso mesmo é a faina da ‘Apartação e Enjaulamento de Toiros’, uma festa de campo tipicamente ribatejana que acontece na lezíria e que é a preparação para a Corrida de Toiros que irá acontecer em plena Feira de Agricultura na Praça Celestino Graça. De tal forma importa esta faina que há quem se levante ainda de noite para ir assistir à destreza dos campinos e dos cavalos neste momento de apartar e enjaular os toiros. Num ambiente rural, onde os sons da natureza predominam, dá-se a função onde é fundamental a coordenação do Maioral e onde não faltam algumas peripécias. Não sendo esta tarefa isenta de riscos, encanta a arte de campinagem que os bravos campinos exibem. No final, é tempo de saborear os bons sabores da lezíria e o cheiro do torricado de bacalhau e do magusto com sardinhas assadas invade o local chamando à improvisada cozinha de campo todos os assistentes que, passado o nervosismo, começam a sentir apetite. A festa desta faina termina com o fandango tocado pelo acordeão e dançado pelos presentes num constante desafio. Mais tarde, já na cidade, vive-se a festa e o público aclamará sem o saber, a coragem, a bravura e a destreza do povo ribatejano.

Pela força que a gastronomia tem, pelo património que ela esconde e traduz, esta Confraria é um hino à cultura da lezíria e os confrades, tais cavaleiros da lezíria, são os exemplares defensores do melhor que aquela terra dá. 

* Presidente das confrarias gastronómicas portuguesas