Presidentes impopulares

Que têm em comum os presidentes François Hollande e Cavaco Silva? Quase nada, tendo em conta, desde logo, a diferença dos respectivos poderes num regime presidencialista como o francês – onde o Presidente tem autoridade directa sobre o Governo – e num regime semipresidencialista como o nosso – onde o Presidente é suposto exercer, sobretudo,…

Mas há duas ou três coisas que Hollande e Cavaco poderiam compartilhar: a impopularidade (embora a do Presidente francês seja bastante superior à do seu homólogo português); uma crónica indecisão e o receio de se comprometerem com posições políticas arriscadas ou corajosas; finalmente, a tentativa de colagem a acontecimentos ou situações que possam beneficiá-los aos olhos da opinião pública, mesmo quando se deixam arrastar por óbvias incongruências.

Evidentemente, devido à maior amplitude dos seus poderes, Hollande está muito mais exposto do que Cavaco aos riscos da impopularidade e, por isso, a baixa taxa de aprovação do Presidente português acaba por ser mais surpreendente do que a do francês. Recorde-se que, em França, praticamente todos os presidentes da V República atravessaram longos períodos de impopularidade – embora Hollande detenha, de longe, o recorde -, enquanto Cavaco é uma significativa excepção à regra dos seus antecessores em Belém. 

Eanes, Soares e Sampaio foram em geral bastante populares, representando uma espécie de valor-refúgio face a governos menos apreciados pelos eleitores. Precisamente o oposto do que se foi acentuando com o actual Presidente: depois de uma fase de distanciamento face ao Executivo de Passos Coelho, quando denunciou a «espiral recessiva» provocada pela política de austeridade, Cavaco foi-se reaproximando da coligação no poder até acabar por confundir-se com ela, ao mesmo tempo que ia perdendo os favores da opinião pública. 

O momento de viragem ocorreu a partir da crise governativa de Julho de 2013, em que Paulo Portas apresentou uma demissão «irrevogável» mas logo revogada (e cujo preço o próprio Portas, numa recente entrevista televisiva, reconheceu estar a pagar). Concluindo pela irrelevância do seu papel, que teria sido decisivo nessa crise – resolvida, afinal, por Passos Coelho -, Cavaco passou a secundar progressivamente a estratégia do Governo (e da troika), como um náufrago em busca de bóia de salvação.

Já François Hollande, comprometido directamente com a acção dos seus governos, não tem sido capaz de encarnar uma política de retoma económica e combate ao desemprego. Adversário declarado do mundo da finança durante a campanha presidencial, Hollande rapidamente se converteu à realpolitik e à subordinação à Alemanha, sem que os resultados na frente interna se tivessem visivelmente alterado. 

Perseguido por uma impopularidade crescente, devido ao seu percurso errático, à sua tibieza e ao seu amadorismo, Hollande beneficiou de um volte-face da opinião pública depois dos atentados terroristas de Janeiro deste ano em Paris. Identificando-se com o sentimento nacional num momento de intensa carga emotiva, Hollande registou então uma recuperação fulgurante nas sondagens. Mas foi sol de pouca dura, perante a persistência dos sinais da crise francesa, com a economia em estado anémico e a falta de soluções para o desemprego. 

Daí as suas últimas tentativas de reconquistar, no plano internacional, o terreno perdido internamente. Foi ele o líder europeu que mais se empenhou em evitar a saída grega do euro, mas à custa de um acordo desesperado e sem futuro – para a Grécia e para a Europa. E apareceu agora a propor um retorno ao núcleo duro dos seis países que estiveram na origem da CEE, marginalizando os restantes. Ou seja: uma solução absurda e manifestamente impraticável. O aventureirismo que inspirou o alargamento ilimitado das fronteiras europeias – e do euro -, sem estarem lançadas as fundações propícias a esse alargamento, não se supera com um impossível regresso ao passado. 

Hollande pretende recandidatar-se ao Eliseu em 2017, mas não serão estes golpes políticos que farão a França recuperar do seu declínio e salvarão o actual Presidente de uma derrota anunciada. Com isso não tem de preocupar-se Cavaco, limitado a marcar, com recados paternalistas da mais desoladora inconsequência, a data das próximas legislativas – ou, como diriam os franceses, a inaugurar crisântemos. Quando partir, não deixará uma marca na História – tal como Hollande.