Ilusões sobre a desvalorização

O acordo imposto aos gregos, com a bênção de Hollande e o aplauso de António Costa, vai trazer uma séria recessão à Grécia, que precisará de novo resgate, mais tarde ou mais cedo. Por isso muitos se têm interrogado se o célebre Grexit (saída da Grécia da Zona Euro) não seria a menos má solução…

Pelo menos, o Grexit seria a maneira de tornar racional a estratégia provocatória que o Governo grego (sobretudo Varoufakis) usou com os seus parceiros no Eurogrupo – e que lhe valeu uma crescente hostilidade. Tal estratégia faria sentido se fosse uma forma de sair do euro, deitando as culpas aos ‘falcões’ europeus; a maioria dos gregos quer ficar na moeda única, mas, vitimizando-se, os governantes diriam ter sido empurrados para fora da Zona Euro.

Do ponto de vista económico a desvalorização da moeda que tal saída permitiria ajudava a enfrentar a perda de competitividade da economia grega. Tornando os seus bens e serviços mais baratos para os estrangeiros (com uma desvalorização à volta de 50%), a Grécia poderia atrair mais turistas e assim ajudar as suas contas externas.

Só que a Grécia exporta pouca coisa além do turismo. E o ganho de competitividade proporcionado pela desvalorização monetária revelar-se-ia sol de pouca dura. A desvalorização encarece as importações, o que aumenta a inflação. A breve trecho, a subida dos preços iria anular o ganho de competitividade conseguido pela desvalorização, exigindo outra desvalorização. Isto, além do enorme peso de uma dívida cotada em euros, ainda que eventualmente reestruturada.

 

Em Portugal conhecemos esse ciclo vicioso desvalorização-inflação-desvalorização. Aconteceu, por exemplo, nas intervenções do FMI em Portugal, em 1978 e 1983, que levaram a desvalorizar o escudo. As contas externas equilibraram, mas por pouco tempo.

A grande diferença do ajustamento imposto em 2011 é que, desta vez, não houve desvalorização, porque estamos no euro. Daí que tenham sido mais sólidos os ganhos de competitividade que muitas empresas nacionais obtiveram na exportação de bens e serviços, conquistando quotas de mercado. E passaram para o sector exportador muitos recursos aplicados durante anos em sectores isolados da concorrência internacional – os chamados bens não transaccionáveis, como as grandes cadeias de distribuição.

 

Convém também perceber que desvalorizar a moeda é empobrecer o país. Como as importações encarecem com a baixa do câmbio da moeda, o país gasta mais para importar o mesmo.

 

A desvalorização da moeda pode dar jeito como medida pontual. Mas já vimos por cá que ela, em regra, se torna um modo de vida, o que é péssimo. E, como também temos experiência em Portugal, as desvalorizações continuadas tiram aos gestores motivação para melhorarem a competitividade das suas empresas: deixam correr, esperando que o Governo desvalorize a moeda para competirem no mercado global. O frequente recurso à desvalorização da moeda é uma forma de desistência de modernizar um país.

Por outro lado, um país que sai do euro e desvaloriza dificilmente acede a crédito externo a juros aceitáveis. Por isso tem que cortar despesas e/ou aumentar impostos. A desvalorização não é uma solução mágica para escapar à austeridade.