Nas férias os horários descambam (e de que maneira)

«Como é que deixámos as coisas chegarem a este ponto?», pergunta a minha mulher, legitimamente irritada. O relógio da cozinha marca cinco da manhã, mas isso é porque foi comprado na loja do chinês e ninguém o acertou (continua com o fuso horário de Pequim). Na verdade, são perto de dez da noite. Os nossos…

Estamos de férias no Algarve e as coisas não estão a correr exactamente como esperávamos. Fizemos planos para ir à praia de manhã, passear, conhecer novos sítios, mas nada disso se tem concretizado. Passamos a maior parte do tempo em casa, a fazer ninguém sabe bem o quê. ‘Como é que deixámos as coisas chegarem a este ponto?’, repito para mim mesmo. E tento reconstituir o nosso dia. Acordámos às nove e qualquer coisa – mas eu, reconheço, só me levantei às dez e tal… -, tomámos o pequeno-almoço e quando saímos de casa para ir ao supermercado já era meio-dia.

Como os miúdos almoçaram às duas, só se deitaram para a sesta quase às três da tarde e acordaram perto das cinco. Entretanto nós, os adultos, comemos a sandes da praxe, tomámos um café e esparramámo-nos ao sol a ler os nossos livros – a hora da sesta é praticamente a única altura do dia em que temos direito a algum descanso. Depois de os miúdos acordarem, demos-lhes o lanche e engonhámos mais um bocadinho, o que fez com que chegássemos à praia só às seis e meia (é preciso arrumar tudo, meter as crianças nas cadeirinhas do carro, encontrar um lugar para estacionar, tirá-las das cadeirinhas, ir até ao comboio da praia do Barril, que anda devagarinho, e depois caminhar mais um pouco até ao areal. E ainda montar o estaminé. Uf!).

Obviamente, chegando à praia às seis e meia, não podíamos sair cedo… O nosso filho mais velho, o Mateus, comprou uma prancha de bodyboard em Ayamonte e quer continuar na água até ficar a tremer de frio e com os lábios roxos. Como a maré está baixa, pomo-nos a apanhar conquilhas (há quem lhes chame cadelinhas), o que pode ser viciante. Resumindo: só nos vamos embora às oito e qualquer coisa.

Tenho amigos que durante as férias não usam relógio. Na nossa família isso seria a receita certa para o desastre. Não gosto de andar a toque de caixa, mas também não quero perder a noção das horas e ver os dias escaparem-se-me como água entre os dedos. Se não fosse o relógio, teríamos ficado mais um bocadinho na praia, com consequências facilmente previsíveis.

E assim chegamos nós às dez da noite. Felizmente somos conhecidos no restaurante e ainda nos servem o jantar, que engolimos a correr. Quando os miúdos vão para a cama, o relógio da cozinha marca sete da manhã. Mas isso é porque foi comprado na loja do chinês e está com o fuso horário de Pequim. Em Portugal bate a meia-noite – e, apesar de o dia ter começado cedo, fizemos pouco. Escandalosamente pouco. Mas não é para isso mesmo que servem as férias? 

jose.c.saraiva@sol.pt