A última assembleia-geral extraordinária da FPF

No passado sábado, a assembleia-geral extraordinária da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) chumbou a proposta da Liga de Clubes (LPFP) de regressar ao sorteio como forma de escolha dos árbitros para os campeonatos profissionais de futebol. Os delegados da assembleia-geral do referido organismo foram claros ao recusar o regresso ao sorteio, com 53 votos contra, 17 a…

De igual modo, a alteração do regulamento disciplinar – em que a Liga desejava que a extinta comissão de instrução e inquéritos fosse substituída pela comissão disciplinar – foi igualmente chumbada com uma votação clara dos delegados: 45 votos contra, 20 a favor e 6 abstenções.

A discussão na referida Assembleia-Geral da Federação Portuguesa de Futebol, em Lisboa, começou com o presidente da Mesa da Assembleia-Geral, José Luís Arnaut, a apresentar dois pareceres que apontavam para a ilegalidade das alterações ao regulamento disciplinar e do sorteio dos árbitros nas competições profissionais. Os pareceres solicitados pela FPF apontam para vícios de ilegalidade, uma vez que as propostas da LPFP violavam, no essencial, o disposto nos arts. 43º e 45º do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) .

A LPFP apresentou igualmente pareceres em sentido contrário aos da Federação, sustentando que o sorteio, ainda que condicionado pela exclusão de árbitros não internacionais dos jogos mais importantes, bem como a proposta de remissão dos processos pendentes na comissão de instrução e inquéritos para a comissão disciplinar, não violavam o atual RJFD.

Assim, uma vez que a maioria dos delegados da assembleia geral da FPF não são juristas, os aludidos pareceres jurídicos tiveram uma importância acrescida no desfecho final da referida assembleia e, como se viu, a doutrina requisitada divergiu totalmente sobre a análise das mesmas questões. Deste modo, mais uma vez, de forma equidistante sobre os interesses em causa, analisarei muito sumariamente cada uma das polémicas questões supra referidas.

Quanto à questão da transferência de competências, da comissão de instrução e inquéritos para a comissão disciplinar, a lei é clara. Desde a publicação do Decreto-Lei nº 93/2014, de 23 de Junho, que o art. 43º nº1 determina que: cabe ao Conselho de Disciplina (da FPF), de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva. (parêntesis sublinhado e negrito nosso)

Face ao exposto, o problema suscitado pelos pareceres da FPF não teve em conta a proposta da LPFP quanto à mera remissão dos processos pendentes na comissão de instrução e inquéritos para a comissão disciplinar, mas sim apontar para a questão de fundo (nunca antes discutida) quanto à titularidade de competências disciplinares por parte de um organismo da Liga, em sentido oposto ao que determina o atual RJFD.

Ainda que se aceite a referida ilegalidade, aquilo que maior estranheza causa não é a proposta da LPFP relativamente à tentativa de manutenção de um poder que juridicamente não pode titular, mas sim a tardia deteção, mais de um ano após a entrada em vigor da referida lei, que afinal a comissão de instrução e inquéritos não podia exercer as funções que exerceu, pasme-se, ao longo da última época desportiva.

No meu entendimento, se se conclui pela ilegalidade da aceitação da manutenção de exercício de poderes disciplinares pela LPFP, ainda que através de uma nova comissão disciplinar, conviria alguém indagar junto da FPF sobre a legalidade das decisões dos processos disciplinares instaurados pela comissão de instrução e inquéritos na última época desportiva, bem como do destino ou eficácia daqueles que ainda por lá se encontram pendentes, uma vez que a evidente desconformidade com o referido regime jurídico perdura há mais de um ano.

Tudo isto porque se é verdade que a viabilidade da proposta da referida LPFP poderia colocar em causa a manutenção do estatuto de utilidade pública da FPF então não será menos verdade que a aceitação do exercício de poderes disciplinares pelo referido organismo, através da comissão de instrução e inquéritos ao longo da última época desportiva, se traduz numa violação clara das normas de funcionamento e organização interna da referida federação desportiva, que poderia ter originado semelhante consequência.

Quanto à questão do sorteio dos árbitros, a complexidade do assunto aumenta. De acordo com a lei em vigor (art.º 45º do RJFD), o conselho de arbitragem da FPF deve estar organizado em secções especializadas, conforme a natureza da competição e sem prejuízo disto acrescenta o nº3 da referida disposição que a função de classificação dos árbitros deve ser cometida a uma secção diversa daquela que procede à nomeação dos mesmos.

Deste modo, por razões de transparência, imparcialidade e isenção no funcionamento do referido conselho de arbitragem, a lei determina que quem nomeia não avalia e quem procede à avaliação dos árbitros está automaticamente excluído do seu processo de nomeação. No entanto, não se confunda o ato de nomeação com a forma como este se processa.

No meu entendimento, nesta norma, o legislador apesar de utilizar o vocábulo “nomeação” não determina ou impõe nem a forma ou método de nomeação dos árbitros, nem os critérios da sua avaliação posterior, nem orienta nem obriga às federações a qualquer método exclusivo de nomeação ou designação dos árbitros.

Aquilo que, a meu ver, estava em causa na proposta da LPFP, relativamente ao regresso do sorteio dos árbitros, não era o ato de nomeação pelo conselho de arbitragem, mas sim a forma que conduzirá a realização do mesmo.

Assim, salvo melhor opinião, confundiu-se entre o ato de designação ou nomeação dos árbitros com aquilo que é a forma ou método precedente que conduz à realização do aludido ato, que não colide com o vocábulo “nomeação” previsto no RJFD.

Face ao exposto, ainda que através de nomeação direta, sorteio, ou por outro método qualquer, o conselho de arbitragem sabe que, concluído este processo, os árbitros terão de ser nomeados por despacho do conselho de arbitragem, independentemente do método seguido, e nos termos da lei aqueles que procederam à sua nomeação não poderão intervir no processo de avaliação subsequente.

Pelo que não faz qualquer sentido condicionar por razões de incorreta interpretação legal aquilo que a própria lei não condiciona, ainda que o legislador utilize a expressão ou vocábulo “nomeação” no referido art. 45º nº3 do RJFD, uma vez que, da sua leitura atenta,não se constata qualquer imposição legal do conselho de arbitragem relativamente ao funcionamento ou métodos utilizados para se proceder ao ato de nomeação ou à posterior avaliação dos referidos árbitros.

Face ao exposto, e em sentido discordante com os pareceres apresentados pela FPF nesta questão, não vislumbro qualquer ilegalidade sobre a referida proposta chumbada pela assembleia-geral extraordinária.

Todavia, as questões ora reprovadas merecerão ulteriores desenvolvimentos pelos clubes que integram a LPFP e que, inevitavelmente, poderá ter repercussões no seu processo eleitoral em curso pois tratou-se inequivocamente de uma estrondosa derrota da associação representativa dos clubes.