Partidos e cidadãos de costas voltadas?

Já todos ouvimos, num discurso muito português, que “eles” não trataram dos buracos da estrada, não limparam a mata ou não retiraram o lixo da berma. Assim como que “eles” decidiram aumentar os impostos, as pensões mínimas ou… Narrativas estas que parecem fazer esquecer o papel de cidadão que é de cada um de nós.

Talvez também isso contribua para que se assuma muitas vezes, com aparente normalidade, que cidadãos e política se encontram cada vez mais afastados. Mas será mesmo assim?

Quem não reconhece um sentido crítico crescentemente apurado e um discurso mais sofisticado em muitas das intervenções que podemos detetar? Através das redes sociais e de movimentos inorgânicos podemos encontrar uma intervenção política crescente, mesmo daqueles que, embora não expressassem antes a sua opinião em círculos próximos, não se inibem agora de a espelhar na “e-praça pública”.  

Num quadro institucionalizado veja-se, por exemplo, o número de iniciativas legislativas dos cidadãos (que requerem, em Portugal, 35.000 assinaturas de cidadãos eleitores), de exercício do direito de petição, de figuras próximas ou, também, a crescente intervenção de pessoas coletivas e de particulares no quadro dos processos de consulta pública e de audição promovidos no âmbitos dos processos legislativos parlamentares e governamentais. Reflexo desse crescendo são também as soluções previstas nessa linha no novo Código do Procedimento Administrativo (de 2015), designadamente ao nível da produção de regulamentos pela administração.  

Neste quadro parece também a alguns que o papel a desempenhar pelos partidos políticos poderia ser desprezado. Mas não nos parece que assim seja. Os vários papéis desempenhados pelos partidos, nomeadamente ao nível da estruturação e consistência das ideias políticas, da representação, da formação de lideranças, entre outros, continuam a parecer hoje igualmente necessários, desde logo para a aproximação dos cidadãos e da política.

Os sinais que vemos da “crise dos partidos”, o distanciamento do eleitorado face aos mesmos, as elevadas taxas de abstenção, o aumento da desconfiança face às instituições, parecem ser reflexos, sim, entre outros, da necessidade de aproximar cidadãos e partidos. Num movimento recíproco de responsabilidade mútua: dos cidadãos que se devem comprometer na vida política, que não devem prescindir da sua intervenção, e dos partidos a quem cumpre também reformar a sua atuação no sentido da abertura, da democraticidade interna e de uma estruturação que potencie mais a atração e retenção do talento. Isto sem esquecer também outras componentes de intervenção a médio e longo prazo, nomeadamente as relacionadas com a reforma do sistema político e a adoção de soluções que, no quadro do sistema eleitoral, potenciem a aproximação entre eleitos e eleitores. Pensa-se aqui, por exemplo, nas questões colocadas pela adoção de listas fechadas e na consagração de soluções alternativas.

É certo que sou de uma geração que nasceu com a democracia. Uma democracia imperfeita, mas democracia. No entanto, tal como quanto ao ar que respiramos, cuja normalidade parecia antes ser um dado adquirido, também a democracia carece que cuidemos da sua qualidade. Algo que num período prévio a eleições legislativas deve merecer especial atenção por parte de partidos e de eleitores. Desde logo porque “eles” somos também nós.

 

O autor regressa em setembro. Até breve!

* Jurista