A emocional e polémica despedida de um embaixador no Líbano

“Desculpem-me por escrever outra vez, mas vou-me embora do vosso extraordinário país ao fim de quatro anos. Ao contrário dos vossos políticos, não posso prolongar o meu mandato”. É este o início da carta de despedida que o embaixador britânico Tom Fletcher deixou aos libaneses – um depoimento emocional onde o diplomata faz um balanço…

Fletcher recorda que quando foi nomeado, em 2011, pensava ser “demasiado novo para o cargo”. Agora sai com a convicção de que afinal era “demasiado velho”. E lembra também como definiu a grande prioridade da sua missão: “Ao ler a vossa história numa biblioteca de Oxford, há quatro anos, percebi que se não ganharmos o argumento da tolerância e diversidade no Líbano, iremos perdê-lo em todo o lado”.

Mas a tarefa esbarrou numa dislexia social e uma vida política “desencorajadora” – “quando pensamos que batemos no fundo ouvimos um tímido bater ainda mais abaixo”. Fletcher abre o jogo: “Alguns oligarcas dizem-nos ser a favor da mudança mas não podem. Eles iludem-nos e alimentam-nos. Eles complicam assuntos sem necessidade com camadas de conspiração, soluções criativas e intriga. Eles boicotam líderes que trabalham pelo interesse nacional. Depois não fazem nada e culpam os opositores/outra religião/Sykes-Picot/Israel/Irão/Arábia Saudita (preencher a seu gosto). E depois pedem-nos para colocar um amigo do primo à frente de uma fila de pessoas a pedir um visto. É Orweliano, enfurecedor e destrutivo para os cidadãos libaneses que eles devem supostamente servir”, acusa o diplomata britânico.

Entre as críticas às personalidades com quem teve de conviver no exercício das suas funções, o embaixador de 40 anos deixa também muitos elogios ao país e à sociedade libanesa. “O Líbano que lembrarei não está a pedir ajuda mas sim oxigénio. Não está a discutir o passado mas sim o futuro”. Quando se questiona sobre a capacidade de sobrevivência do Líbano, o diplomata diz que “já todos sabemos a resposta: nunca subestimar o povo mais resiliente do planeta. Um povo que durante um milénio tem contrariado as probabilidades”.

“Quatro maratonas, 100 entradas no blogue, 10 mil tweets, 59 chamadas para o primeiro-ministro, mais de 600 longos jantares, 52 discursos, dois concertos de rock #OneLebanon, 43 cabelos brancos, uma troca de trabalho com uma empregada doméstica e uma caminhada por toda a costa libanesa” depois, Fletcher despede-se.

“Vocês deram-me a aventura da minha vida e várias razões para temer por ela. Deram-me amigos extraordinários e tiraram-me outros”. Fletcher diz que vai deixar de ser “embaixador no Líbano” mas pede autorização para continuar a ser um “embaixador do Líbano”. Como continua a sentir-se positivo sobre o futuro do país, perguntam-lhe: “Tudo o que tentei fazer foi segurar o espelho para que vocês vejam quão lindos são. Continua a brilhar, seu diamante maluco”.

Leia aqui a mensagem completa de Tom Fletcher, em inglês.

nuno.e.lima@sol.pt