Confraria gastronómica de Sousel

Apesar da reduzida empregabilidade no sector agrícola, Sousel, terra de sabores e cheiros alentejanos, nunca perdeu a sua vocação agrícola. Descobre-se neste concelho a necessária ligação à terra de um povo que soube sempre tirar o melhor partido dos produtos endógenos. Assim, a gastronomia revela-se plena de sabores e cheiros alentejanos onde o pão, o…

É neste ambiente que surge a Confraria Gastronómica de Sousel sendo esta uma oportunidade de valorização da gastronomia e cultura locais pela sua divulgação. Trajados com o tradicional capote alentejano, os confrades defendem a singularidade da sua gastronomia, espelho das condições geográficas de Sousel e da necessidade de uma alimentação rica e calórica que providenciasse a energia necessária para os trabalhos pesados. São exemplo disso as migas, a açorda, e as sopas que tinham como base o pão. Na verdade, as sopas alentejanas representam um mundo que necessariamente devemos referir, pois a Cachola à Alentejana, o cozido de grão com vagens, o gaspacho, a sopa de bacalhau, a sopa de batata, a sopa de cação, a sopa de fressura de borrego, a sopa de tomate à alentejana justificam os vários ditados saídos da sabedoria popular que preenchem parte do imaginário cultural de Sousel. ‘A cada boca uma sopa’, ‘Da mão à boca se perde a sopa’, ‘As sopas e os amores, os primeiros são os melhores’, ‘Come caldo, vive alto, anda quente, viverás contente’, ‘Por mais santo que seja o dia a panela tem de ferver’. No contexto da gastronomia de Sousel, esta riqueza de adágios diz-nos da importância da sopa onde o pão aliado às ervas aromáticas tem claro protagonismo.

No que respeita a receitas, vale a pena falar da predominância do borrego que se encontra em várias versões: assado à alentejana, guisado com ervilhas, com molho de hortelã. Os galináceos, a caça e os enchidos preenchem ainda o receituário local. Nas coisas doces de comer também a escolha é grande e diz-nos da criatividade deste povo que soube, com ingredientes simples, criar doçaria de muitos e diversificados sabores. Bolo de azeite e mel, bolo de amêndoa alentejano, bolo de requeijão à antiga, fidalgo, arroz doce alentejano, broas de massa finta, broas de torresmos, biscoitos brancos, bolema de mel, azevias à alentejana, azevias com miolo de pão, filhós de forma, Nogados do Cano à antiga, doce de tomate, marmelada. Mas, para além deste receituário recolhido e inventariado pela Confraria Gastronómica de Sousel, importa mesmo conhecer os provérbios fantásticos associados à gastronomia que nos mostram como esta é cultura também pela forma como traduz mentalidades. Vale a pena conhecer o site desta Confraria (www.confrariasousel.pt) e deliciar-se com esta recolha de provérbios. Talvez seja uma experiência ainda mais saborosa do que saborear as receitas que esta Confraria descreve.

Na confraternização em dia de lazer encontra o povo a força para enfrentar a labuta do quotidiano. Era assim no passado e assim continua a ser; a liberdade e quebra da rotina permite que as sociedades mantenham o equilíbrio e aceitem as regras. Sousel encontra esse momento de confraternização comum na sempre tão aguardada romaria de Nossa Senhora do Carmo que se realiza na Serra de São Miguel, sempre na segunda-feira de Páscoa. Numa associação feliz e tranquila entre o sagrado e o profano, os souselenses vivem momentos de devoção à Nossa Senhora do Carmo, quer na missa campal, quer na tradicional corrida de touros que decorre na Praça de Touros Pedro Louceiro, considerada a mais antiga do país e uma das mais antigas da Península Ibérica. Neste dia, todos se juntam e, entre as manifestações de homenagem à Senhora do Carmo, partilham o sabor do borrego como prato tradicional da festividade.

No ar sente-se o clima alentejano, forte, de extremos. Na terra cheira-se o quente que nela entra. No sabor predominam as ervas aromáticas como em qualquer boa gastronomia alentejana. Na confraria sente-se a força, o pulsar de um povo cuja identidade é fruto de um percurso, de uma história, de uma geografia que o define e o caracteriza de forma intensa, quer na cor, quer no aroma. O pão, o queijo, o azeite, os enchidos, o vinho, todos estes produtos recuperam, actualmente, uma importância grande na economia local e o sentido de missão e de dever que a confraria tem leva-a a valorizar sobremaneira os produtos que são fruto da terra e da mestria do homem. Orgulhosos do que têm, os confrades levam os seus produtos como marcas da terra e figuras de proa da economia local. São os sabores que querem dar a conhecer, é a cultura que querem transmitir, é a gastronomia que querem divulgar a quem os visitar em Sousel ou em qualquer iniciativa em que a Confraria participe ou promova como as semanas gastronómicas na Casa do Alentejo em Lisboa. Com o seu trabalho, a Confraria quer mostrar que o povo não se engana quando diz: ‘Quem bem come e bebe, bem faz o que deve’ e ‘Barriga vazia não conhece alegria’.    

* presidente das confrarias gastronómicas portuguesas