Extremistas judeus: Os outros terroristas

O que têm em comum um bebé palestiniano e uma adolescente israelita? São vítimas do ódio dos extremistas hebraicos.

Extremistas judeus: Os outros terroristas

«Um pedaço de carvão». Foi assim que o médico da Cruz Vermelha da Palestina Yusef Dariyeh descreveu os restos mortais de Ali Dawabsheh, de 18 meses. Os pais e o irmão mais velho ficaram em estado grave em resultado de um incêndio que consumiu a casa na aldeia de Duma, provocado por um ataque atribuído a colonos israelitas.

No dia anterior, quinta-feira, a marcha do orgulho gay de Jerusalém foi manchada por outro crime de ódio: o ultra-ortodoxo Yishai Schlissel apunhalou seis pessoas. Uma delas, de 16 anos, viria a falecer. Schlissel tinha saído da prisão há pouco, por ter esfaqueado três pessoas, em 2005, durante o mesmo evento.

O extremismo está a ameaçar a sociedade israelita? «Os episódios de violência (…) estão relacionados e partem de uma visão do mundo semelhante: em ambos os casos, o ódio – o ódio em si mesmo, essencial, instintivo – representa para alguns uma razão legítima e suficiente para matar, para aniquilar a pessoa odiada», escreveu o escritor israelita David Grossman no El País. O autor – entrevistado no SOL há duas edições – apela a que o Governo liderado por Benjamin Netanyahu enfrente as forças extremistas de Israel «com a mesma determinação» com que lida com o terrorismo palestiniano e conclui: «Como não ver o nexo entre a ocupação da Cisjordânia, que já leva 48 anos, e essa realidade obscura e fanática que se criou nas margens da consciência israelita?».

O primeiro-ministro israelita telefonou ao líder da Palestina Mahmoud Abbas, após um ano de silêncio; visitou a família Dawabsheh no hospital, e separou as águas: «Em cada sociedade há elementos extremistas e homicidas e lamentavelmente é verdade até entre nós, mas a sociedade e o Estado são julgados pela forma como actua a liderança», disse no sábado, quando prometeu guiar o país «contra o ódio e a homofobia» e declarou «tolerância zero» para com os colonos extremistas.

O problema é que o discurso do governante, segundo os seus críticos, não bate certo com a realidade. «Não é muito mais do que hipocrisia», comentou à Al Jazeera o jornalista do Haaretz Gideon Levy. «Há um contexto muito claro de crescente violência, nacionalismo e racismo em Israel, principalmente entre os colonos, sobretudo nos colonatos nacionalistas», sustentou.

Os «terroristas judeus que envergonham a nação», como descreveu Netanyahu, estão entre as fileiras dos colonos. O acto terrorista que chocou Israel terá sido motivado pela demolição de duas casas de colonos perto de Beit El, por ordem do tribunal. Os assassinos escreveram ‘Vingança’ nas paredes da casa incendiada, em hebraico, e desenharam a estrela de David.

Dando argumentos a quem o acusa de hipocrisia, no mesmo dia em que o Supremo Tribunal ordenou a demolição dos imóveis, o Governo de Netanyahu anunciou a «construção imediata» de 300 casas em Beit El – em claro desafio à lei internacional e em apoio à política de expansão dos colonatos.Segundo a ONU registaram-se 112 ataques de colonos contra palestinianos ou contra as suas propriedades até 6 de Julho.

Já para a Organização para a Libertação da Palestina a situação é bem pior: 369 ataques até 27 de Julho. De acordo com um relatório da ONU datado de 2013, o número de incidentes com vítimas relacionadas com os colonatos mais do que duplicou desde 2009. Mais: o número de vítimas palestinianas causado pelo exército israelita disparou «ao intervirem em ataques de colonos ou em confrontos entre colonos e palestinianos para dispersar palestinianos, em vez de protegê-los dos ataques dos colonos».

E nem o chefe de Estado está a salvo dos ultra-ortodoxos. Após ter declarado a sua «vergonha» pelo assassínio do bebé de 18 meses, o Presidente Reuven Rivlin recebeu ameaças de morte nas redes sociais, pelo que apresentou queixa contra desconhecidos.

A primeira medida que as forças de segurança tomaram foi a detenção de Meir Ettinger, na segunda-feira. É neto do rabino extremista Meir Kahane, que fundou um movimento anti-árabe, Kach, entretanto ilegalizado. Ettinger está em detenção administrativa, um procedimento extrajudicial para prender um indivíduo sem acusação nem julgamento prévios. Pela primeira vez um cidadão israelita foi sujeito a esta medida, anunciada após a reunião semanal do Governo de Benjamin Netanyahu.

Segundo a ONG B’Tselem, cerca de 400 palestinianos estão presos nestas circunstâncias.

Terrorismo sionista

O terrorismo está inscrito nas páginas anteriores à fundação do Estado de Israel. Entre os anos 30 e 1948, grupos como o Irgun e o Lehi foram responsáveis por atentados como o ocorrido no Hotel King David em Jerusalém (contra a administração britânica na Palestina), ou o assassínio de lorde Moyne, o ministro britânico para o Médio Oriente. Os críticos de Telavive acusam ainda o Estado de Israel de prosseguir uma política de terrorismo de Estado.