Uma mulher na Presidência

Conheço resmas de feministas teóricas: mulheres que acham a desigualdade de género uma injustiça e uma estupidez, porque priva a humanidade de muitos méritos. 

Algumas até defendem que as mulheres fazem falta na política porque são mais trabalhadoras e mais honestas e melhores gestoras e mais sensíveis aos problemas humanos – discurso de que não só discordo, como me parece perigosíssimo. 

Considerar ‘as mulheres’ como um todo com características morais e intelectuais específicas é desvalorizar cada mulher como indivíduo dotado de uma experiência e de um pensamento singular. Há mulheres e mulheres, como há homens e homens.

É verdade que a maioria das mulheres políticas se esforça mais do que os seus congéneres do sexo masculino – pela razão imediata de que, se não o fizer, não chega mesmo a lado nenhum, a não ser que seja familiar de algum figurão, e infelizmente as quotas de mulheres são demasiadas vezes preenchidas deste modo. 

Há também o peso do escrutínio moral, mil vezes mais exigente para as mulheres do que para os homens. E a marmelada da ‘sensibilidade’ vira-se sempre contra elas: uma chefe que exija competência e resultados aos seus colaboradores e se mostre indisponível para passar o dia a fazer de psicóloga ou de mãezinha  é taxada de ‘insensível’ e ‘bruta’, gerando esses terríveis ‘anti-corpos’ de que os homens não sofrem. 

Aquilo que num homem é considerado firmeza e capacidade de liderança, numa mulher é considerado agressividade – mesmo (ou sobretudo) pelas próprias mulheres. E quando uma mulher decide bater a porta, farta de trabalhar num ambiente de ingratidão e destratos, delibera-se que é uma impulsiva, incapaz de levar o que quer que seja até ao fim. 

Uma Presidente da República contribuiria em muito, desde logo do ponto de vista simbólico, para alterar esta percepção. E há, nos diversos quadrantes da política portuguesa, mulheres com perfil para o cargo. 

Estranhei quando algumas personalidades ligadas ao Partido Socialista (a começar pelos dois ex-presidentes desse partido) apareceram a apoiar a candidatura de António Sampaio da Nóvoa. Um partido de Governo, como o PS, não tem nos seus quadros ninguém com perfil para a Presidência? Que prova de fraqueza. 

A mim parece-me evidente que tem, e surgiram-me de imediato duas ou três figuras, por sinal do sexo feminino. Pus a questão a várias militantes do dito partido e apercebi-me de que todas tinham defeitos: uma porque era «indecisa», outra porque, apesar de ter sido ministra, «não era muito conhecida» (problema que pelos vistos não atrapalhava Sampaio da Nóvoa), outra porque era «demasiado contundente». Perfeitos, só os rapazes – mesmo aqueles que nunca encontrámos sequer em campanhas cívicas.    

Maria de Belém Roseira parece agora decidida a candidatar-se, o que aplaudo: é uma mulher com um trajecto político forte e transparente. 

Assim que surgiu esta hipótese de candidatura, começou o tiroteio: Maria de Belém teria, oh ignomínia, feito pareceres pagos para grupos económicos ligados à Saúde, quando integrava a Comissão Parlamentar da dita. A própria esclareceu que o fizera com a maior limpidez, sujeitando esses trabalhos à aprovação prévia do Parlamento (que a concedeu), ao contrário de muitos dos seus colegas deputados que, resguardando-se no sigilo profissional, fazem consultorias diversas sem sequer dar conta disso. 

Pessoalmente, defendo que a profissão de deputado deve ser de dedicação exclusiva; mas o que não pode admitir-se é que, não sendo essa a regra, haja filhos e enteadas. Oxalá Maria de Belém não se deixe intimidar pelas sempre prontas metralhadoras do sexismo, e avance.

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