O que nos atrai na morte dos outros?

Qualquer pessoa que se mantenha minimamente atenta às edições online dos principais meios de comunicação sabe que isto é verdade: a morte vende notícias. O caso do leão Cecil, só para dar um exemplo, comoveu milhões por esse mundo fora. Mas não vou falar de animais, vou falar de pessoas.

Espreitando neste preciso momento o top 7 de um popular site de notícias, encontro nada menos do que três notícias relacionadas com mortes. E nem falo dos ‘likes’ que essas histórias amealham – pela minha parte, confesso: faz-me muita confusão alguém dizer que ‘gosta’ da morte do seu semelhante.

O que poderá haver de tão sedutor na morte dos outros? Seremos movidos por uma curiosidade mórbida? Será que gostamos de fazer o papel de carpideiras?

Os mais cínicos responder-me-ão que se trata de egoísmo puro: ao vermos a notícia ‘Morreu Zé dos Anzóis’ sentimos alguma espécie de conforto. «Antes ele que eu», pensaremos no nosso íntimo. É uma explicação plausível, mas não me satisfaz inteiramente. Ainda que esteja ciente de que o ser humano nem sempre se rege pelos princípios mais elevados, creio que existem outros motivos que explicam a atracção pela morte alheia. Vejamos quais são eles.

Em primeiro lugar há o mistério. No momento em que alguém morre é como se dois mundos se tocassem, permitindo-nos tomar contacto com uma realidade que nos escapa e nos inquieta. O defunto serve de ponte entre o ‘lado de cá’ e o desconhecido.

Simultaneamente, ao contrário de notícias mais abstractas – como ‘Economia caiu 0,5%’ ou ‘Estudo diz que portugueses estão insatisfeitos’ – a notícia da morte de alguém tem algo de muito concreto. Aquela pessoa particular deixou de existir. E, ainda que isso não nos afecte nem um pouco, ficamos com a sensação de que o mundo sem ela não será exactamente o mesmo.

Por fim, e pondo de parte as mortes na estrada, os crimes e o ‘sangue’, a morte de uma figura de relevo da nossa sociedade permite-nos ter uma perspectiva histórica sobre a sua vida. É aí que entra o lado bom da natureza humana.

Os obituários, necrológios ou pequenos resumos biográficos sobre o defunto constituem o equivalente contemporâneo das histórias edificantes de antanho – exemplos que nos inspiram e nos desafiam a sermos melhores pessoas. Trate-se de um cantor como Michael Jackson, de um guru da tecnologia como Steve Jobs, de um poeta como Herberto Helder ou de uma grande senhora como Maria Barroso, a sua morte constitui um excelente pretexto para avaliarmos o seu legado e recordarmos os seus feitos (às vezes passando até uma esponja sobre aspectos menos agradáveis das suas personalidades).

É natural que haja curiosidade à mistura, porventura que sintamos até um prazer mórbido e inconfessável ao tomarmos conhecimento da morte de uma figura conhecida. Mas pode existir também um lado menos perverso. Cada notícia deste género ou obituário que lemos comporta uma mensagem animadora: apesar de todas as suas misérias, a vida de uma pessoa ainda concede espaço para grandes feitos. 

jose.c.saraiva@ionline.pt