Liga de egos

Em 1993, o Sporting desviou Paulo Sousa do Benfica. Em 1999, convenceu Peter Schmeichel a trocar Manchester por Lisboa. E, em 2001, foi à Turquia recuperar Mário Jardel para o futebol português. Os adeptos empolgaram-se e Alvalade cobriu-se de uma esperança que agora se repete, mas por culpa do treinador.

Liga de egos

Não há volta a dar: a chegada de Jorge Jesus ao clube leonino, numa manobra ousada e inesperada de Bruno de Carvalho que ‘vitimou’ Marco Silva, é o ponto de partida para um campeonato recheado de egos apostados em mostrar quem está certo e errado.

A começar nos dois protagonistas da maior ‘novela’ do defeso. Se Luís Filipe Vieira anseia por exibir provas de um Benfica estruturado para vencer com qualquer treinador, Jesus quer demonstrar que as conquistas recentes dos ‘encarnados’ resultaram em larga escala do seu mérito. “Queremos o ‘tri’”, anuncia o presidente do Benfica. “A partir de agora há três candidatos ao título”, assume o treinador do Sporting.

A batalha da Liga 2015/16 começou ontem em Aveiro, com a visita dos ‘leões’ ao Tondela (2-1) – estreante na competição principal – e prossegue ao longo de 34 jornadas até 15 de Maio. O técnico de 61 anos superou o primeiro round da época w ainda arrecadou a Supertaça sobre a sua antiga equipa. Bruno de Carvalho gostou tanto que desfrutou do triunfo num raro silêncio. 1-0, terá pensado.

O jogo revelou um Sporting autoritário e um Benfica fragilizado, como se fossem os de Alvalade os bicampeões nacionais e os da Luz estivessem há mais de uma década sem festejar na prova mais importante a nível interno. O desafio para Rui Vitória ganhou proporções ainda maiores.

Como se não bastasse a adaptação a um clube grande – o primeiro de uma carreira feita sempre em ascensão –, a inevitável comparação a um passado recente de sucesso ou uma pré-época mais virada para o plano comercial do que desportivo, o novo treinador do Benfica enfrentou o pior rival possível no primeiro duelo oficial. E uma vez que nem o resultado nem a exibição agradaram, a desconfiança à sua volta multiplica-se.

Um Ferrari low cost?

É urgente travar essa bola de neve – só possível com vitórias –, mas o trabalho de Rui Vitória é mais complexo e aliciante do que superar a incerteza inicial. Vieira contratou-o para mudar o paradigma na Luz, de forma a aparecerem mais jogadores das camadas jovens na equipa principal e menos reforços pagos em barras de ouro. Só que conciliar a nova aposta com a necessidade de manter o clube alinhado com as conquistas requer quase um golpe de génio do treinador. É esse o teste para Rui Vitória: mostrar que tem mãos para um Ferrari low cost, com peças alternativas e cuja fiabilidade está por comprovar.

Nos últimos tempos, parece até que o Benfica não quer arriscar tanto e as chegadas para o ataque de Mitroglou e Jiménez indiciam que Vieira não vai impor o novo modelo de gestão a todo o custo. A ideia essencial é certificar a tal estrutura ganhadora, em detrimento da importância do treinador, e sendo assim torna-se imperioso responder aos sinais negativos da pré-época.

Não é que o FC Porto tenha arrancado de forma muito mais convincente. Longe disso. Mas os ‘dragões’ continuam a ter o plantel mais valioso da 1.ª Liga – com uma cotação de mercado de 200 milhões de euros, segundo o Transfermarkt, que avalia o do Sporting em 181 milhões e o do Benfica em 169 – e surgem como favoritos na corrida pelo título nas principais casas de apostas – seguidos do Benfica e só depois do Sporting.

Ao manter Julen Lopetegui no comando técnico, depois de uma época para esquecer apesar do plantel de eleição às ordens do espanhol, Pinto da Costa também dá corda ao ego. Validar a aposta no treinador basco é um ponto de honra para o líder portista, que não gosta de falhar duas vezes seguidas – com Paulo Fonseca não correu bem – e por isso desdobrou-se em contratações para amenizar as saídas de Jackson, Quaresma, Óliver, Casemiro e Danilo. A do médio francês Imbula, cifrada em 20 milhões de euros, passou a ser a mais cara de sempre do clube azul e branco.

Da parte de Lopetegui, existe o desejo de corresponder às expectativas de Pinto da Costa e, acima de tudo, de demonstrar uma competência que os adeptos questionam. Será quase impossível sair ‘ileso’ de mais uma campanha vazia de títulos, até porque o peso dos reforços anula as saídas de vários jogadores nucleares.

Casillas em retoma

Em termos mediáticos, bastou a chegada de Iker Casillas para equilibrar a balança, reforçada com o duplo efeito da contratação de Maxi Pereira: compensar a partida de Danilo para o Real Madrid e desferir um golpe no rival da Luz. Tanto o guarda-redes espanhol como o lateral uruguaio andarão com os holofotes em cima.

Casillas vem de épocas penosas no Real Madrid. Nunca mais foi o mesmo desde que, em 2013, José Mourinho o relegou para o banco de suplentes e deu a entender que o capitão passava informação privilegiada do balneário para os jornalistas. Incapaz de recuperar a titularidade com Carlo Ancelotti – só jogava nas provas a eliminar –, ouviu os assobios subirem de tom e agudizarem um desconforto que o trouxe agora à Invicta. A campanha na Liga dos Campeões será fundamental para mostrar ao mundo que, aos 34 anos, está vivo e recomenda-se. E para segurar o lugar na selecção de Espanha.

Já Maxi Pereira recusou um contrato de três épocas com o Benfica, onde estava há oito, para assinar um de quatro com o rival nortenho, que lhe proporcionará um rendimento anual de mais 500 mil euros. Na conta bancária a vitória está garantida, mas em campo terá de justificar o investimento aos olhos dos adeptos portistas e de fazer ver aos benfiquistas que mudou para continuar a ganhar.

É uma prova semelhante à que aguarda na Luz o grego Mitroglou, mas em relação aos sportinguistas. O avançado do Fulham viveu um ‘namoro de Verão’ com os ‘leões’, mas a demora em chegar a acordo com o clube inglês permitiu a entrada em cena do Benfica, que fechou o negócio a seu favor de um dia para o outro. “É o maior clube de Portugal e soube logo que era para onde queria ir”, declarou o avançado já em Lisboa. Vai querer impor a sua ideia através de golos e títulos.

As exibições de André Carrillo em Alvalade também darão corpo a uma mensagem forte. Na sua última época de contrato, o extremo peruano fica livre para assinar por outro clube se não renovar pelo Sporting até Janeiro. Por cada nova demonstração de talento, mais obrigado ficará Bruno de Carvalho a esticar a folha salarial para segurar o extremo. E por cada dia que passe maior será a pressão de outros clubes para que Carrillo não se comprometa com os ‘leões’.

Que comece a luta de egos.

rui.antunes@sol.pt